Os países desenvolvidos são hoje mais complexos do que alguma vez foram. Existem imensos empregos diferentes, ministérios e associações, contratos e acordos, leis e taxas, etc. Não é concebível ou expectável que um pequeno governo, com um minúsculo número de empregados, consiga corretamente compreender todo o funcionamento do país e desenvolver políticas adequadas a ele. É um fosso de diferenças enorme.
Para piorar este desligar entre o país e o governo, está a ideologia partidária cega: partidos propõem mudanças à lei, não com base científica, estudada e equilibrada, mas sim apenas com objetivos ideologistas e partidários, sejam eles construtivos ou destrutivos. As políticas são criadas mais para satisfazer cegueiras políticas do que verdadeiras necessidades do povo. Promessas são feitas durante o processo eleitoral que não têm o mínimo de estrutura a suportá-las. Uma vez no poder, estas promessas vazias ou são ignoradas ou são convertidas em mudanças á lei feitas à pressa. Isto leva a que problemas complexos permeados por toda a sociedade sejam remendados e não corrigidos. O problema mantém-se, mas a aparência muda.
Os exemplos são vários. O mais recente vem do Bloco de Esquerda que, na busca de baixar ou eliminar propinas, acabou por comprometer os que mais clamam defender. Ao baixar o valor das propinas, devido às contas que são usadas para atribuir bolsas, o número de bolsas atribuídas aos mais pobres vai baixar. Ou seja, os que podem pagar vão pagar ainda menos e os que não podem pagar, vão deixar de receber bolsas. Isto porque estas medidas são forçadas à última hora, para marcar pontos políticos e não para resolver o problema. São remendos sensacionalistas, que ficam bem vistos, mas mal implementados. Não se resolve o problema e piora-se o resto.
Outro exemplo é a atual crise habitacional que afeta o país (e todo o mundo desenvolvido, em geral). Cada vez mais a desigualdade está a aumentar, e, para guardar e investir dinheiro, muitos ricos compram e remodelam casas caríssimas que vão aumentando de valor com o tempo, mas não as ocupam. Ou seja, estas casas ficam vazias, pois, são vistas como investimentos monetários. Esta inflação artificial dos preços das casas serve apenas para enriquecer os já ricos, enquanto que os mais pobres, com os seus salários estagnados, são forçados a mudarem-se pois não conseguem pagar as rendas altas. Existem também outros fatores neste problema como o alojamento local devido a turismo descontrolado e uma simples falta de oferta.
Este problema é complexo e vasto, que engloba várias leis e proteções, algumas constitucionais. Tem várias fontes e várias manifestações finais. No entanto, parece que nenhum partido político está disposto a resolvê-lo a fundo. Nenhum apresenta mudanças que previna atitudes predatórias de inflações de preços ou atitudes abusivas por parte dos donos (basta ver o que acontece aos alunos universitários). As diferentes origens deste problema continuam a existir. O que é apresentado são remendos e pequenos desvios que em nada resolvem o problema. Na realidade, estão apenas a o adiar pois vão sempre ser encontrados contornos ao remendo.
Estes são apenas dois exemplos de como problemas imensamente complexos e super importantíssimos estão a ser traídos por cegos políticos sem a coragem de terem um único pensamento sustentável a longo prazo que reformule estas leis para o nosso presente e futuro e não para um passado que já não existe. Com a idade que os nossos países têm, leis formuladas há dezenas de anos já não se aplicam hoje. E em vez de as reformular para se adaptarem à realidade, o que acontece é que muitas vezes forçam a realidade a adaptar-se ao dogma antigo.
Sim, estes problemas são complexos e não é expectável que o governo os resolva do dia para a noite. É compreensível que o percurso para os resolver seja longo, mas não ajuda que partidos políticos percam mais tempo com ataques partidários e pequenas medidas que apaziguam mas não resolvem.
Para simplificar a complexidade legislativa, uma simulação computacional
Pondo de parte problemas políticos que servem apenas para entreter médias sem integridade e pessoas sem inteligência (“ele disse”, “ela disse” só servem para distrair), para podermos resolver estes problemas que afetam todo o país, temos que os simplificar. Não é correto encarar estes problemas com toda a sua complexidade pois vamos inevitavelmente falhar. Tendo em conta esta básica aceitação dos nossos limites, temos que primeiro encontrar soluções para como vamos reparar este problema.
Consideremos os exemplos de programação, que são muito similares aos de governação. Quando o código se torna muito complexo, é regular os programadores cometerem erros pois começam a atingir os limites das suas capacidades. Milhares de linhas de código são demasiadas para um programador (de igual modo, milhares de leis são demasiadas para apenas alguns legisladores). Não só, mas quantas mais linhas de código um programa tiver, mais falhas ele terá e mais facilmente pode ser atacado, pois, no meio de tanta complicação, é provável existirem buracos na segurança, dos quais atacantes se vão aproveitar. Opostamente, esta quantidade e complicação excessiva de código vai abrandar e piorar a experiência para os utilizadores (com muitas leis, taxas e taxinhas, os mais ricos vão encontrar os buracos entre essas leis e aproveitar-se enquanto que os mais pobres são morosamente obrigados a seguir todas as leis, nem sempre com o melhor resultado). E, enquanto se está a programar, o compilador vai nos indicando erros e mensagens no código. Os erros não são evitáveis pois descarrilam todo o programa, por isso têm que ser consertados, enquanto que as mensagens indicam falhas não críticas, mas que, com o passar do tempo, podem causar vários problemas a longo prazo (considerem todas as associações e sindicatos que expõem ao governo como as leis podem a longo prazo causar sérios desequilíbrios entre a sociedade).
Como podem ver, programar e legislar são duas atividades muito similares. Ambas podem complicar muito rapidamente e esconder muitos problemas e falhas nessa complicação. Mas, ao contrário da governação, bons programadores regularmente limpam a entropia do seu código de uma simples maneira: reescrever ou apagar e começar de novo. Bons programadores em boas empresas (combinação rara), quando observam que o seu código está a ficar complexo demais e propício a erros, dão uma nova vista de olhos ao que foi feito. Tendo em conta o futuro que querem para a sua aplicação e as melhores práticas de código da altura, vão limpar o código de tudo que é desnecessário e reescrever o resto para ser mais rápido e eficaz, com menos erros.
E é isto que o governo deve fazer: limpar a legislação de tudo que é velho e arcaico e reescrever as leis para o nosso presente e futuro, e não para algumas empresas e interesses. Só que existe uma pequena grande diferença entre programação e governação: o governo não tem um “compilador” de leis. Não existe um programa que permita simular o governo em código, para que quando se façam alterações à lei, se possa primeiro as testar num ambiente computacional.
Seria um projeto longo e complicado, mas muito valioso
Simular o país num programa não é uma proposta simples ou fácil. É imensamente complexa e problemática. Temos pessoas diversas com empregos variados e contratos distintos. Cada um de nós tem um conjunto de características distintas e com uma pequena alteração a uma lei, podemos desregular várias vidas. O país é complexo, e temos que o destilar e simplificar para que o possamos corretamente compreender. Na sua completa complexidade, conseguimos apenas ver uma pequena parte, mas simplificado, podemos considerar todo o país ao mesmo tempo. Esta simulação do governo num computador serviria para isso mesmo, para traduzir todas as leis e complicações do país em código para que possamos simular todas as alterações que quisermos de uma maneira mais simples, observando todas as ações e reações.
No entanto, começar a traduzir essa complexidade para código é assustador. Possivelmente, começar-se-ia por instituições públicas com estruturas abertas, como hospitais e escolas. Como são grandes “empresas”, com várias diferentes pessoas, poderiam servir como protótipos para as primeiras simulações. Criar-se-ia num programa com quem trabalha nessa empresa, os salários e as hierarquias, os contratos e como vivem, com todas as dependências simuladas. Este processo poderia ser repetido para empresas privadas com um tamanho suficientemente grande, para que se possa simular em vários contextos a mesma alteração. Eventualmente, consoante o passar do tempo, poder-se-ia estender esta simulação a ministérios inteiros, cidades ou ilhas.
Naturalmente, como da mesma maneira que poucos legisladores não conseguem compreender o país, este projeto não poderia ser fechado. Teria que ser de código aberto, para que as melhores práticas possam ser implementadas por todos. De igual modo, ele não seria preenchido por uma equipa, mas sim pelas pessoas a serem simuladas, para que, novamente, não se coloque demasiada pressão sobre um pequeno grupo de pessoas com capacidades limitadas. É imperativo que o código e a informação implementada neste projeto sejam completamente transparentes para que possam ser o mais eficazes possível.
Este projeto seria, sempre sem esquecer, longo e lento. Não seria uma solução rápida para um problema antigo. Se governos continuam com as suas politiquices, esta simulação nada resolveria. Os problemas manter-se-iam e ideologias cegas continuariam a reger nova legislação. Mas com a vontade certa, estas simulações permitiriam muito mais facilmente melhor determinar as mudanças e valores certos a aplicar na lei.
E, sim, já existem vários estudos em diferentes ministérios que tentam determinar os impactos de algumas legislações. Mas estes estudos não são o mais compreensivos que podem ser, e demoram algum tempo. Com esta simulação, estes estudos seriam muito mais compreensivos no seu alcance e mais rápidos. Poder-se-ia estudar muito mais facilmente mais alterações. Não só, mas pela sua natureza aberta, estas simulações poderiam ser usadas por qualquer pessoa com acesso a um computador: professores universitários, economistas, médicos ou comuns cidadãos.
Outra ideia que também pode ser copiada do mundo tecnológico (e científico, em geral) é o uso de betas, ou testes. Sempre que é feita alguma grande alteração ao código, ela é testada antes de ser lançada ao público. Sempre que algum medicamento é feito, ele não é lançado logo para o mercado, primeiro é testado. É então, igualmente importante que, cada vez que alguma lei for mudada, que não seja logo implementada em pleno para todo o país sem se ter feito algum teste. No entanto, infelizmente, leis são mudadas à pressa, de um dia para o outro, sem existir grande estudo ou preparação. Para evitar problemas e incompatibilidades, estas leis poderiam primeiro ser implementadas em apenas uma cidade ou em algumas empresas, públicas ou privadas.
Um exemplo: imaginemos uma redução do horário de trabalho de 8 para 7 horas. Se esta mudança fosse feita sem a devida preparação, muitos negócios e instituições teriam muitos problemas na transição. Ora, alguma fricção é sempre esperada, mas pode ser muito reduzida se o estado realizar testes antes de implementar a lei. Usando a tal simulação, muitos impactos sociais e económicos podiam ser previstos e questionados. Não só, mas programas piloto podiam ser criados onde diferentes empresas (cafés, lojas, hospitais, fábricas, etc.) serviriam para testar as mudanças. Estando estes testes realizados, tudo aquilo que foi aprendido da transição destas diferentes empresas seria publicitado, onde todos os detalhes do que foi mudado seriam postos ao dispor de todo o país. Desta maneira, quando a lei fosse mesmo alterada, haveria uma grande biblioteca de conhecimento que as restantes empresas poderiam usar na sua transição. Quando tudo é feito transparentemente para que todos possam aprender, leis podem muito mais facilmente ser implementadas sem causar grandes transtornos.
Nada disto acontece do dia para a noite, o que vale a pena não vem rápido
Estas mudanças requerem vontade política por uma simples razão: porque o que estes estudos vão determinar como sendo o melhor não vai concordar com muitas promessas políticas. Normalmente, aquilo que é cientificamente melhor não costuma seguir linhas políticas. Isto leva a que partidos tenham que genuinamente trabalhar uns com os outros em vez de só o aparentarem. Uma razão por partidos não quererem fazer isto é que esta atitude de genuína cooperação entre partidos pode fazer votantes fugirem para outros lados, negando assim o poder a um só partido. Quando os partidos criam linhas mais rígidas entre si, causam um maior impacto no eleitorado e captam eleitores mais ferozmente. Este conflito ativa as massas, o tribalismo. Mas se eles trabalhassem normalmente uns com os outros, o espetáculo do nada que é a política seria muito menor.
De qualquer das maneiras, estas simulações em modelos computacionais do país e estes testes a novas leis seriam longos, requerendo meses para gerarem resultados. Seriam, no entanto, incrivelmente valiosíssimos para a sociedade pois seriam os resultados destes testes que mais melhorariam a nossa condição. Nunca se esqueçam que os problemas que nós temos hoje têm vindo a aumentar gradualmente, dia após dia. Como tal, é inconsciente achar que os vamos resolver com rápidos remendos do dia para a noite. Temos que encarar estas questões com o respeito que elas merecem pois têm imensos impactos na sociedade. Nada que vale a pena é fácil, ou rápido.
Entretanto, evitem votar em partidos que muito falam mas nada dizem. Quando em dúvida, votem em branco.