Natureza

Como Portugal pode audaciosa e sustentavelmente retornar aos oceanos

O nosso presente nos oceanos é muito diferente do nosso passado. Aprendendo (e corrigindo) erros do passado, podemos usar novas tecnologias e princípios de sustentabilidade para remarcar o nosso nome nos oceanos.

Dos oceanos tiramos a nossa história. Foi lá que nos provamos. Foi lá que recebemos os nossos maiores louros e piores vergonhas. É uma longa história com muito a louvar, a devolver e aprender. Mas hoje, a nossa presença nele é meramente simbólica. Onde em tempos eramos nós a definir as regras, hoje meramente seguimos as de outros. Somos maioritariamente derivativos. Temos estaleiros, sim, mas que constroem por encomenda navios banais. Temos uma indústria pesqueira, sim, mas pequena e facilmente contornada por enormes frotas industriais de outros países.

Mas mesmo olhando para o resto do mundo, a maior parte das inovações marítimas têm surgido com singulares objetivos militares ou económicos. Têm sido cegas buscas por navios que levam mais carga ou mais mísseis, ignorando todas as outras variáveis. Sempre apenas mais e maior. Como consequência temos oceanos imensamente poluídos por estes miópicos navios: vários despejos de químicos e de dejetos humanos, poluição aérea assim como uma enorme poluição sonora que permeia por todo o oceano afetando a vida marítima muito além da posição do navio.

Ou seja, há muitíssimo que pode ser melhorado e equilibrado no que toca à nossa presença coletiva nos oceanos. Como em tempos passados o nosso pequeno tamanho não foi impedimento nenhum, hoje também não tem que ser. Com várias tecnologias hoje mais maturadas e facilmente acessíveis podemos dar os primeiros passos e liderar uma nova viragem em torno da sustentabilidade nos oceanos.

Considerem a direção atual: navios maiores, motores maiores, cargas maiores, e mais poluição. Simplesmente mais. Mas se dermos um passo atrás e formos buscar tecnologias antigas em conjunto com novas, podemos criar navios mais pequenos, mas mais eficientes. Em vez de termos gigantes frotas com gigantes navios que gigantescamente impactam os oceanos, podemos ter frotas mais pequenas, ágeis e sustentáveis.

Porto, Luca Dugaro, Unsplash
Porto, Luca Dugaro, Unsplash

Nem 8 nem 80: velas e motores, madeira e metal

Tendências cegas são dos principais prenúncios de estagnação, indicando que uma empresa ou mercado estão prontos a serem desregulados por novas inovações. Apenas criar navios gigantes de aço em busca de maiores retornos no investimento é um desses sinais de estagnação. Isto não é, no entanto, um argumento a favor de voltar ao outro extremo de madeira e velas, mas sim ao de repensar como navios são desenhados, construídos e usados.

Considerem como antigamente os carros eram desenhados rigidamente e que, com um embate, essa rigidez traduzia-se em imensos danos a todo o veículo. Hoje, contrariamente, os carros são desenhados para cederem nos pontos mais fracos e fáceis de reparar, salvaguardando a integridade do resto do veículo. O que hoje é um pequeno acidente podia antigamente ser razão para descartar todo um carro.

Usando este princípio de distribuição de forças, os navios de amanhã podem ser desenhados com fontes de propulsão distribuídas por todo o navio. Exemplo: não ter nem apenas motores gigantes ou apenas mastros centrais enormes com velas, mas sim motores híbridos usados em conjunto com velas mais pequenas colocadas em diferentes posições do navio. Novos navios podem ser desenhados de maneira a que a sua estrutura acomode diferentes motores (elétricos ou a combustão) para diferentes propulsões, mas também para que outros métodos de propulsão como velas sejam colocadas ao longo da estrutura lateral do navio de maneira a que grandes mastros não ocupem imenso espaço central que impossibilite a carga e descarga de contentores.

Estas velas podem, no seu retorno a navios, ter várias alterações modernas. Com a sua enorme área, elas podem ser desenhadas com diferentes camadas que aproveitem alguma forma de geração elétrica através do sal no ar marítimo, talvez através de algum processo osmótico estimulado por diferentes tecidos em diferentes camadas nas velas. Outra opção é utilizar a queda de chuva como gerador de eletricidade, algo exotérico, mas possível. Esta eletricidade, pode depois ser usada para alimentar motores elétricos. Ou seja, velas antigas com um toque moderno.

Mais um exemplo automóvel: da mesma maneira que equipas de Fórmula 1 modificam milimetricamente curvas no carro, também adicionam completamente novas estruturas ao seu corpo (barbatanas e cortinas). Similarmente, navios podem ser limados em certas arestas e reconstruídos noutras, não para revolucionar toda a sua estrutura do dia para a noite, mas para lentamente os evoluir. Combinações podem ser experimentadas como velas retráteis em cima da carga, que se recolhem quando o navio atracar, um duplo casco como num catamaran que reduz o atrito com a água ou algo ainda exótico como tubos circulares que aproveitam o efeito de Magnus. Por si só, cada um destes extras não representa um grande aumento. Muitas destas mudanças são mais trabalho do que benefício. Mas isso não quer dizer que integradas inteligentemente umas com as outras, não possam ser usadas para aumentar significativamente a eficiência de navios gigantes, reduzindo bastante a sua poluição.

Em aviação, existem vários outros exemplos análogos: hoje em dia, aviões não são tubos de metal pesados e rígidos, mas sim compósitos mais leves e resistentes que permitem poupanças de energia enormes. Continuando com o empréstimo de tecnologia de outras áreas, os mesmos materiais compósitos podem ser aplicados aos navios onde os seus cascos podem ser mais do que simplesmente aço. Outros materiais podem ser incorporados que façam o navio mais leve, mantendo a sua robustez. E como hoje em dia fala-se em voltar a construir prédios em madeira, também se pode voltar a construir navios com madeira. Não apenas madeira, mas um compósito que aproveita as melhores qualidades de cada material, que reduz o peso do navio e a poluição sonora que ele propaga pelos oceanos, usando desde metais a madeiras e talvez até espumas sintéticas ou polímeros reciclados. Não só, mas a produção de metais é muito poluidora e com a redução do seu uso em navios, reduz-se o impacto carbónico desta indústria na atmosfera.

Os navios teriam que ser mais pequenos para que estas mudanças e adições façam algum efeito. Para em navios gigantes estas tecnologias serem implementadas em escala, estes extras teriam que ser igualmente gigantes e a partir de um certo ponto, isso torna-se difícil. Mas tendo em conta que o nosso consumismo desmesurado tem que ser reduzido, navios de carga mais pequenos fazem sentido de mais que uma maneira. Ao reduzir o consumo de produtos transoceânicos desnecessários, reduzimos a necessidade de ter cargueiros tão grandes.

Baleias, Guille Pozzi, Unsplash
Baleias, Guille Pozzi, Unsplash

Inteligências artificiais e redução de ruído

Mas o impacto dos navios no oceano não é apenas o da poluição que os motores deles geram ou daquela que é gerada durante a sua construção. Navios gigantes são responsáveis por enormes níveis de poluição sonora oceânica que afeta negativamente toda a vida marítima num raio de vários quilómetros. Quando combinamos motores de combustão interna gigantes com materiais de construção rígidos em água, criamos uma perfeita transmissão de sons muito altos por todo o oceano. E tendo em conta que inúmeras espécies marítimas muito importantes para o equilíbrio de todo o oceano usam sons para se guiarem e comunicarem, esta poluição compromete seriamente toda a saúde oceânica.

O que foi dito anteriormente também se aplica aqui: usar métodos de propulsão alternativos e motores híbridos mais pequenos que gerem menos barulho e materiais de construção compostos que abafem melhor aquele que é gerado. Mas existe algo ainda mais exótico que se pode fazer para reduzir esta poluição sonora. Um exemplo: na Alemanha, em Hamburgo, existe uma sala de concertos, a Elbphilharmonie, cuja sala principal contém 10 000 placas no teto micro estruturadas de maneira a que o som seja o mais uniformemente propagado por toda a audiência.

Ora, o que aqui é proposto é exatamente o oposto: usar uma inteligência artificial (IA) que vai micro estruturar o casco exterior dos navios para que, em conjunto com o isolamento do motor e novos materiais usados no casco, a presença sonora do navio no oceano seja a menor possível. Esta inteligência artificial iria receber certas variáveis básicas de como os motores operam, de onde vêm os sons e por que materiais do casco eles navegam até chegar ao oceano. Ela irá então calcular como deve micro estruturar o casco de maneira a que esses sons sejam cancelados ao máximo.

Dando ainda mais um passo à frente, podemos usar a imprevisibilidade das IAs a nosso favor. Tendo em conta a nossa história com o oceano, é fácil nos deixarmos ficar pelo que já foi feito e ligeiramente iterar sobre isso. Mas, de vez em quando, desregulações são necessárias. Para evitar que novos navios sejam lentamente iterados e evoluídos por caminhos pouco inovadores, podemos pegar na incerteza das IAs e as usar para radicalmente modificar como vemos navios. Ou seja, pegamos numa IA, ensinamos-lhe o que é o vento, como funcionam as velas e as tolerâncias dos materiais usados e deixamos a correr para ela criar alternativas radicais. Nesta simulação algumas variáveis seriam fixas como o tamanho do navio para evitar que ciclos de processamento fossem perdidos em cálculos desinteressantes.

Sim, muitos dos resultados podem ser caóticos e inutilizáveis, inexplicáveis, mas outros podem ser indicativos de novos caminhos a seguir, para quebrarmos ideias rígidas sobre quais velas ou motores usar. Em conjunto com todas as propostas anteriores de modificar cascos, utilizar materiais compostos e motores híbridos em navios de médio porte, usar IAs pode ajudar imenso a combinar e equilibrar este desenvolvimento marítimo.

Aveiro, Ricardo Resende, Unsplash
Aveiro, Ricardo Resende, Unsplash

Transformar a indústria pesqueira e melhorar os navios da Marinha

Até agora, os exemplos dados acima eram para grandes navios transportadores transoceânicos. Mas existem imensas outras aplicações dos argumentos aqui apresentados, se os destilarmos corretamente. Por exemplo, muito do que aqui foi escrito pode ser apenas economicamente viável para grandes frotas de navios, mas existem outros mais pequenos barcos nas águas que podem beneficiar de algumas destas evoluções. O que se pode fazer é identificar os limites de cada tecnologia, o que cada uma pode melhorar sozinha e como combinar o essencial de cada uma num barco mais pequeno de uma maneira economicamente acessível.

Consideremos um barco pesqueiro de alto mar, com arcas refrigeradoras e um certo tamanho considerável, pertencente a uma pequena empresa com uma frota considerável. Não tem grandes recursos financeiros, mas tendo em conta a sua atividade económica, é do seu maior interesse ter o mínimo de impacto sobre o mar do qual retira valor. A estes barcos podem ser aplicadas IAs que introduzam pequenas velas desenhadas para valorizar apenas certos ventos que sejam do interesse dos barcos pesqueiros. Porque, enquanto que um navio cargueiro navega continuamente pelo oceano, um pesqueiro usa maiores potências para arrastar as suas redes de pesca. Ou seja, para diferentes usos, diferentes aplicações.

Usar diferentes materiais no casco assim como isolar o motor do casco pode reduzir significativamente o barulho gerado, sem grandes custos económicos, criando uma atividade pesqueira mais eficiente (pois assustam menos os peixes). Micro estruturar cascos será inevitavelmente caro (pelo menos enquanto a tecnologia nascer), mas colocar velas colapsáveis em navios existentes é algo acessível a muitas empresas.

De igual modo, a Marinha também pode retro aplicar estas tecnologias aos seus navios para não só melhorar as suas performances ao os tornar mais rápidos e furtivos, como criar redundâncias de segurança ao introduzir outros sistemas de propulsão. Abstraindo-nos de navios, podemos também aplicar estas tecnologias a embarcações autónomas não tripuladas. Estas embarcações que podem patrulhar os oceanos para monitorizar fronteiras e variáveis ambientais e ecológicas também podem usar muitas destas tecnologias para navegarem mais facilmente sem serem detetadas ou interferirem com os oceanos. E ao usar pequenas embarcações não tripuladas para patrulhas em vez de navios maiores, reduz-se a nossa presença nos oceanos e consequentemente, a poluição gerada.

Posto isto, o desenvolvimento destas tecnologias pode se enquadrado nos 2% do orçamento para as Forças Armadas, conforme o acordado com a NATO. Investimento esse que, apesar de ser pelas Forças Armadas, pode ter ramificações por várias outras indústrias nacionais, gerando riquezas e sustentabilidade para muitos. Também, eticamente, é pretendido que esta tecnologia nunca seja usada para fazer guerra, mas para manter a paz. Idealmente é usada apenas para patrulhar os altos mares para detetar pescas ilegais e exaustivas que destruam os ecossistemas marítimos. Lá está, o equilíbrio e cooperação entre várias indústrias para trazer benefícios a todos.

Como nota final, tendo em conta que muitas frotas pesqueiras são industriais, privadas e atuam insustentavelmente em águas internacionais com incentivos governamentais capitalistas, aplicar estas inovações aos navios não chega. É necessário que os governos também deem um passo atrás e não explorem os oceanos até à exaustão.

Praça do Comércio, Louis Paulin, Unsplash
Praça do Comércio, Louis Paulin, Unsplash

O estado deve ser o gatilho

Não é apenas com navios inovadores que resolvemos os nossos problemas. Assim como o mar é vasto e obscuro, também as nossas ações sobre ele o são. Navios cruzeiros fazem sujas descargas constantemente, cargueiros gigantescos poluem o ar com os seus motores enormes e descontroladas frotas pesqueiras desfazem inteiros ecossistemas com as suas redes. Com maus incentivos e falta de bons, os governos pelo mundo fora compactuam com esta destruição descontrolada do mar.

Para resolver todos os danos que infringimos sobre os oceanos, vastas e plurais ações por todos os cantos da sociedade terão que ser iniciadas. E apenas o estado, com compreensivas medidas o pode fazer. Ele deve começar por definir os objetivos em geral de como nos devemos comportar no oceano. Deve coordenar a investigação científica a ser realizada em universidades pelo país e pelas Forças Armadas para desenvolver estas tecnologias. Deve depois criar ou adquirir empresas para implementar e testar estas invenções em navios já existentes e mais pequenos, lentamente progredindo para maiores. E tendo em conta que Portugal é mais do que Lisboa, toda esta investigação e construção naval devem ser coordenadas e implementadas em cidades costeiras que mais possam beneficiar. Ou seja, a investigação científica pode ser separada por diferentes polos universitários pelo país fora, mas a sua implementação deve ser feita em cidades costeiras para estimular o seu crescimento, para que o país não se fique apenas por Porto e Lisboa. Naturalmente, toda esta tecnologia desenvolvida pelo estado seria depois disponibilizada a empresas privadas para estimular ainda mais o país.

Frotas pesqueiras sustentáveis devem ser criadas para apenas pescarem de acordo com o que biólogos marítimos dizem ser possível. Com estas novas tecnologias e sustentabilidade em mente devemos fugir de vulneráveis pequenos barcos, mas também de navios gigantes e poluidores e criar algumas empresas públicas, distribuídas pela costa, com frotas pesqueiras muito mais ecológicas e equilibradas, de tamanho sensato. Tudo o que pescam deve ser coordenado com biólogos marítimos e devem circular as suas pescas ao longo do ano por diferentes espécies em áreas rotativas do oceano. Ou seja, a cada mês que passa, a área onde pescas são permitidas vai mudando de maneira a que não se exaustem os recursos de um só local. E em conjunto com navios sustentáveis, também os seus métodos de pesca devem ser atualizados e inovados para que a pesca seja o mais precisa possível. Podemos também, redefinir o que frotas pesqueiras querem dizer ao incluir nessas frotas as tais embarcações não tripuladas que podem ser desenhadas de maneira a detetar o tipo de peixe disponível assim como ajudar a separar o que queremos pescar do que não queremos.

Estando provadas as tecnologias, o estado deve usar o seu poder regulatório para gradualmente forçar todos os navios nas nossas águas a as usarem. Dando mais um passo na política, podemos pegar nestas novas tecnologias e leis sustentáveis e as tentar aplicar a todos os outros países europeus através da União Europeia. Tendo em conta o seu tamanho e alcance, através de fortes campanhas políticas lideradas pelo nosso futuro melhor exemplo, podemos criar pressões para que todos os restantes países as sigam.

Praia de Monte Clérigo, José Duarte, Unsplash
Praia de Monte Clérigo, José Duarte, Unsplash

Audaciosamente ousar

Se os EUA podem ter gigantes, lentos e desnecessários porta aviões com propulsão nuclear, extremamente frágeis e inúteis (tendo em conta que os aviões atuais conseguem sem problema atravessar meio mundo sem precisarem de reabastecer), desenhados apenas para projetar poder militar, então nós certamente poderemos ter médios navios com velas e motores, madeira e aço, pseudo-asas talvez, que quase não tocam no oceano e navegam por ele sustentavelmente.

E como em tempos ganhamos muito através dos oceanos, também tiramos muito. Tudo aquilo que descobrirmos e inovarmos deve ser partilhado sem custo com todas as antigas colónias e países dos quais tiramos imenso através dos oceanos. Mas não apenas dando livros e relatórios com a ciência descoberta. Devemos ajudar a criar empresas sustentáveis que cortem a madeira usada nestes navios, os cursos universitários que continuarão esta investigação e as leis que garantam a sustentabilidade entre todos nós e o ambiente. E devemos fazer isto por décadas, onde estimulamos e investimos no crescimento de todas estas indústrias nestes países para que as riquezas resultantes também lá fiquem, em vez de serem sugadas por alguns. E para os que torcem o nariz ao ler isto, considerem então esta retribuição como um investimento a longo prazo que inevitavelmente trará benefícios.

Em suma, como em tempos não podemos expandir mais por terra, e nos vimos forçados a seguir pelo mar, devemos hoje fazer o mesmo: em quantidade não conseguimos competir com ninguém, mas em qualidade e sustentabilidade podemos muito facilmente fazer cair gigantes rígidos e insustentáveis. Devemos audaciosamente retornar aos oceanos, não com colónias e escravos, mas sim com harmonia e equilíbrio. E para os velhos do Restelo, lembrem-se de tudo aquilo que não podia ser feito e acabou por se tornar na normalidade. É apenas uma questão de ousarmos.

Ainda há muito por descobrir nos oceanos.

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