Nós, portugueses, usamos demasiado os nossos carros. As nossas estradas foram muito mais desenvolvidas em detrimento de todos os outros meios de transportação (somos dos que melhores estradas têm na Europa). Tudo foi pavimentado e o alcatrão passou a dominar. Em contrapartida, os nossos transportes públicos foram ignorados e descartados: os comboios são regularmente suprimidos, o metro atrasa-se e os autocarros estão velhos e lentos. Passeios muitas vezes nem sequer existem, quanto mais ciclovias. Em muitas partes do país, o carro é a única opção.
Ou seja, não só investimos exageradamente no carro, como desinvestimos exageradamente de todos os outros meios. É tudo para o carro. É demasiado para o carro. É nada para o resto.
Mas, o carro, por mais pequeno e versátil que seja, não é a solução para todas as deslocações. Dependendo da distância e do objetivo, várias viagens diferentes requerem diferentes meios de transportação. Distâncias longas podem ser feitas de avião ou durante a noite de comboio (mais ecológico). Mais curtas à loja devem ser feitas a pé ou de bicicleta. Viagens regulares para o trabalho podem ser feitas de autocarro ou de metro. E se morares fora da cidade, um misto de comboios e autocarros pode ser o ideal.
“Transportes públicos é para os pobres, carro é o novo símbolo de riqueza.” Esta foi a mensagem cravada nas cabeças de todos nós. Para qualquer que seja a viagem, curta ou longa, com ou sem passageiros, com ou sem carga, usa-se o carro. Por várias razões, esta extremista visão seriamente moldou todas as nossas vidas e o país em torno de um pensamento binário e cego. Naturalmente, problemas inevitáveis surgiram: poluição, trânsito, stress e todo o desregular do natural e harmónico fluir de uma sociedade no seu dia-a-dia.
Se são construídas mais estradas, mais carros pomos nelas. Consequentemente geramos mais trânsito e mais poluição. Chama-se a isto a indução de uso. Gasolina mais barata é outra medida que apenas iria piorar ainda mais o ambiente e a nossa saúde. E mesmo que o carro seja elétrico, ele continua a ocupar o mesmo espaço e a causar o mesmo trânsito. Se queremos genuinamente melhorar o nosso estado, então temos que por de lado o conforto imediato e passar a pensar a longo prazo em sociedade.
Ora bem, para contrariarmos décadas de ignorantes comportamentos e decisões destrutivas para a sociedade, saúde e ambiente vamos ter que não só desincentivar o uso do automóvel individual como melhorar seriamente as restantes ofertas como transportes públicos, passeios e ciclovias. Como existe hoje, o país foi orientado para que o carro fosse usado em todo o lado. É demasiado fácil usar o carro para todas as nossas deslocações. Por outro lado, os nossos transportes públicos estão todos fraturados em diferentes empresas e passes com diferentes preços e condições de uso. Enquanto que com um carro pode-se ir onde quiser, sem grandes barreiras, de transportes públicos existem imensas diferentes empresas com diferentes passes, bilhetes e horários.
Ou seja, vamos ter que seriamente melhorar a oferta pública para que ela seja tão fluída e fácil como um carro. E uma das principais maneiras de o fazer é unir todos os transportes públicos nacionais numa só empresa com um só passe. Uma mensalidade dá acesso a todo o país (ilhas incluídas, naturalmente). E se usarmos os dados da mobilidade das pessoas numa inteligência artificial podemos melhor analisar os padrões nas deslocações e oferecer melhores rotas e planeamento urbano.
Um passe para todo o país
Para genuinamente agilizar toda a nossa mobilidade nos transportes públicos, temos que os unir e distribuir pelo país de maneira a que as nossas necessidades sejam cumpridas. Se unirmos todos os transportes públicos do país (autocarros, ferrys, metros, elétricos, comboios e tudo pelo meio) numa única empresa, oferecendo-os à população com um único passe que permite viajar de norte a sul do país sem pagar um único bilhete extra, o incentivo a usar transportes públicos aumenta drasticamente.
Primeiro, uma empresa pública seria criada fora de Lisboa ou do Porto, pois essas cidades já têm tamanho que chegue. Não só, mas considerem o seu objetivo: melhor gerir e oferecer transportes públicos que facilitam a nossa movimentação pelo país. Como tal, onde quer que esta empresa se situe, pelo seu objetivo, deverá sempre ser fácil chegar a ela. O que quer dizer que ao a colocar fora dos pontos principais do país, não só compreende melhor as dificuldades de movimentação de diferentes pessoas, como se sente mais motivada a as melhorar (mas mais sobre esta escolha mais à frente).
Esta empresa iria lentamente integrar em si as diferentes empresas municipais de transportes públicos do país. Com o passar do tempo, a expansão deste passe único seria feita com a absorção de uma empresa de cada vez. A empresa original iria ser eliminada e passar a existir como uma sucursal local da empresa mãe (uma reestruturação seria necessária, empregos redundantes seriam eliminados e novos criados). Como certas cidades têm mais do que um meio de transporte (Lisboa ou Porto, com o Metro), essa empresa local iria gerir toda a oferta da cidade. No entanto, não o faria exclusivamente. Como o objetivo é descentralizar os transportes públicos para que mais facilmente se navegue pelo país, estas sucursais locais iriam funcionar de uma maneira integrada com as restantes cidades vizinhas para melhor ligar todo o país e as suas localidades. A ideia de haver uma empresa para cada diferente transporte em cada cidade acaba e passa-se a criar uma empresa com várias estruturas dentro, ligadas diretamente umas com as outras para minimizar a entropia e burocracia. Tudo que é barreiras desnecessárias e inventadas é removido em torno de agilizar ao máximo a oferta. O limite municipal desaparece e o país passa a ser o objetivo.
A empresa mãe iria criar um serviço digital novo de gestão de pagamentos e gestão de recursos onde tudo se iria integrar. Ao ter toda a oferta nacional na mesma plataforma pluripotente, pode-se muito mais facilmente fazer mudanças e gerir todos os veículos. Deixam de haver diferentes bases de dados com diferentes formatações para diferentes cidades e diferentes meios de transporte.
Ou seja, não só se remove do ponto de vista do consumidor todas as barreiras ao criar um passe único para todo o país como também se removem todas as barreiras à gestão para que ela consiga responder mais facilmente à procura e coordenar os seus serviços.
Com o passar do tempo, o passe único começa apenas com uma cidade e acaba com todo o país. Naturalmente, com a integração de diferentes cidades, o preço do passe flutua, mas, com o aumento em massa do número de utentes, a tendência é que o preço desça. Combinem agora um preço baixo com acesso a todos os transportes públicos do país e passamos a ter uma muito maior facilidade para deixar o carro na garagem e não perdemos tempo e saúde no trânsito.
As mudanças seriam muitas, mas feitas com calma. E este é um ponto muitíssimo importante da criação desta empresa: implementar todas as mudanças gradualmente, com calma e sustentabilidade. Considerem o que aconteceu recentemente quando o estado subsidiou os transportes públicos, mas não melhorou ou modificou nada na oferta. Não só já tínhamos uma oferta pública fraca e subnutrida como acabou por ser ainda mais esticada com muitos mais passageiros não planeados.
Juntar ao velho o novo: inteligências artificiais
Em conjunto com esta uniformização da oferta de transportes públicos, imaginem também a existência de uma aplicação digital como interface com o consumidor. Da mesma maneira como, de trás das cenas, tudo é simplificado e a burocracia é eliminada, da frente também os consumidores teriam uma singular interface digital para todo o serviço nacional.
Nela, as pessoas iriam colocar onde querem ir e quando. Informações sobre limitações de mobilidade, se a pessoa tem ou não bicicleta ou, em geral, as suas preferências de transportação seriam registadas para que a aplicação sugira o melhor resultado possível. Isto pode resultar numa enorme base de dados com toda a informação sobre como nós nos deslocamos. Claro que por questões de privacidade e escolha pessoal, o consumidor pode escolher que os seus dados nunca sejam gravados ou usados para estudos. Mas mesmo assim, muitas pessoas estariam dispostas a partilhar os seus dados anonimizados para melhorar o serviço.
Se a todos esses dados nós aplicarmos uma inteligência artificial com o objetivo de detetar os padrões de mobilidade das pessoas, podemos muito mais facilmente melhorar a oferta dos transportes públicos. Sendo assim passamos de não ter voz nenhuma em como as rotas são geridas para dizermos diretamente aquilo que precisamos e quando.
Se nos abstrairmos ainda mais e considerarmos a empresa aqui proposta, não apenas para os transportes públicos, mas para a nossa mobilidade em geral, podemos usar estes dados no planeamento urbano das cidades e do país. Como estamos hoje, quase nenhuma cidade é planeada a longo prazo. É simplesmente construído primeiro e pensado depois. No entanto, considerem como uma base de dados como esta pode reorientar todo este inexistente planeamento. Esta base de dados pode-nos demonstrar em tempo real como todos nós nos deslocamos. Podemos analisar padrões de mobilidade de diferentes pessoas em diferentes condições. Como a aplicação também iria sugerir andar a pé ou de bicicleta, temos ainda mais informação sobre que idades preferem quais meios a quais horas do dia.
Com toda esta informação podemos equilibrar as nossas cidades com mais razão. Zonas residenciais, comerciais e industriais podem ser ligadas de maneiras muito mais eficientes e fluidas. Prédios e casas privadas mais distribuídos para que diferentes densidades populacionais tenham diferente acessos a diferentes zonas. Diferentes nós e intersecções podem ser estudados com estes dados para que aprendamos os que funcionam melhor, como e porquê. Pessoas com mobilidade reduzida podem ter as suas deslocações analisadas para se tentar melhorar os seus acessos. Enfim, as possibilidades são imensas.
Vantagens, vantagens e mais vantagens
A roda não precisa ser reinventada. Não tem nenhum problema, é perfeita. E um equilíbrio na nossa mobilidade é a nossa roda. Já aqui foi dito e vai novamente ser repetido: nós somos diferentes e variados e, de igual modo, as nossas necessidades de mobilidade também o são. Forçar tudo no carro é cego e ignorante e os problemas são inevitáveis. Mais estradas não o resolvem. Mas se voltarmos ao básico, o equilíbrio volta. E com ele, uma pluralidade de vantagens.
Maior tamanho, maiores margens de manobra
Com uma empresa maior, podem-se eliminar empregos executivos e administrativos locais e os concentrar num só polo, reduzindo os custos de pessoal, libertando mais dinheiro para manutenção e condutores (ou outras contratações). A gestão executiva ficaria quase toda na central enquanto que as sucursais locais iriam-se focar mais na manutenção e melhoria da mobilidade local e adjacente.
Assim, deixam de haver decisões pequenas a nível local. Como o objetivo desta mudança é ligar o país, quebra-se o incentivo de pensar apenas na pequena cidade, apenas nos autocarros ou nos comboios e passa-se a pensar na mobilidade de nós todos e como ligar todos os meios de transporte para que o máximo de fluidez seja atingida. Coordenando estes esforços com as cidades e localidades vizinhas, incluindo melhorias no planeamento urbano, esta maior empresa permite criar ligações que com apenas empresas municipais não se conseguiria.
Passamos a ser um país e não apenas alguns centros de cidades.
Não só, mas este maior tamanho também se traduz em preços mais baixos em compras de equipamento. Em vez de ser uma pequena empresa municipal a comprar 10 autocarros, é uma nacional a comprar 150 autocarros, 30 metros, 10 elétricos e 5 comboios. Com este maior peso, existem outras vantagens na negociação de contratos.
Um detalhe indireto, mas relacionado com este novo alcance será a necessidade de criar uma linguagem de design igual para todo o país. Como os transportes públicos vão passar a ser do país, faz sentido que todos eles sejam desenhados com essa universalidade em mente. Isto quer dizer que sim, o seu aspeto visual vai passar a ser similar, mas também que rotas iguais tenham códigos iguais, para que quem ande de cidade em cidade consiga rapidamente identificar algumas rotas específicas como circulares à volta da cidade ou noturnas. Outras questões naturalmente irão surgir com o decorrer de todo este processo e deve-se ter sempre em mente que agora este autocarro ou aquele metro não são para esta cidade, mas para o país e, como tal, a linguagem de design deve ser a mesma por todo o país.
Um preço para todos
Mas toda esta ligação nacional não seria nada se os preços não correspondessem às necessidades. Ao distribuirmos a oferta por todo o país, o potencial para baixar os preços é muito alto, criando um enorme incentivo a deixar o carro em casa.
Uma das maiores dificuldades na vida dos mais pobres é a deslocação. Como não têm dinheiro para um carro, andam de transportes públicos. Não só, mas como são mais pobres, vivem mais fora das cidades, onde os preços de casas são mais baixos (aliás, uma grande parte do trânsito de uma cidade é gerado por pessoas de fora a entrar nela). Ao colocarmos todo este serviço acessível a toda a gente com o mesmo baixo preço, e ao o descentralizarmos do centro das cidades para toda o país, os mais pobres vão ser os que mais beneficiam, podendo se movimentar muito mais facilmente por todo o país, podendo aceder a hipóteses antes inalcançáveis, fora de onde vivem. Deixa-se de ter que comprar o passe para o autocarro aqui, o comboio ali e o táxi pelo meio. Fica tudo numa só acessível despesa.
Ao incluirmos nesta equação pessoas com mobilidade reduzida (obviamente), e ao lhes oferecermos melhores serviços que lhes facilite a deslocação, podemos também dar a essas pessoas uma muito mais aberta vida, com muitas mais opções, alcançando o país todo e não apenas onde a cadeira de rodas os leva.
Ambiente menos poluído e mais saúde
Para a maioria das pessoas, os seus carros estão parados mais de 90% do dia. Apenas são usados por alguns minutos em cada viagem e depois ficam parados no estacionamento. Um enorme desperdício, basicamente.
Ora, um maior uso de transportes públicos não só polui imensamente menos pois reduz-se drasticamente o número de carros na estrada com apenas uma pessoa, mas também ganha-se imenso na nossa saúde, mental e física. E como não usamos tanto o carro, não temos que reservar tanto espaço vazio para estacionamento.
Como perdemos menos tempo no trânsito, reduzimos os nossos níveis de stress. Em vez de irmos diretos para a garagem e diretos para o trabalho, andamos um bocado até à paragem onde ouvimos o vento e os restantes elementos, ficando mais ancorados na nossa realidade. O nosso dia de trabalho começa e acaba com mais calma, onde temos tempo para aquecer e arrefecer a mente. A redução na poluição sonora também ajuda nisso. E como vamos andar mais e inalar um ar mais limpo, vamos ter uma melhor saúde física. Nas contas da saúde pública do estado, isto significa uma enorme poupança. E para as nossas vidas, uma enorme melhoria.
Código aberto, para todos
Considerem agora a inteligência artificial usada, em conjunto com a interface digital unificada. Como tudo isto vai ser pago com dinheiro público, dinheiro nosso, faz apenas sentido que todo o código seja aberto. E aqui as vantagens são várias e distintas.
As vantagens mais diretas são as de uma imediata melhoria da qualidade de código disponível à indústria. Ao, por forças superiores inquebráveis, este código ser escrito com apenas os melhores padrões, as melhores regras e os melhores algoritmos mais eficientes, ao beneficiar ao máximo de tudo o que a comunidade de código aberto tem para oferecer, cria-se um muito forte ponto de partida para empresas que queiram oferecer serviços similares no setor privado.
E, retomando algo dito anteriormente, ao colocar esta empresa fora de Lisboa ou Porto, deve-se selecionar uma cidade com uma universidade com formação em programação e inteligências artificiais. Desta maneira, cria-se uma muito boa ponte entre a academia e a indústria, algo que falta nos dias de hoje, onde nas universidades tende-se mais a usar o método científico e nas empresas uma aplicação mais pragmática, um fosso que pode ser problemático. Se, não só o código for aberto, mas também a ligação que existe entre a universidade e a empresa, as restantes empresas do país podem beneficiar em como melhor receber alunos e maximizar as suas capacidades (assim como as universidades melhor prepararem alunos para as empresas).
Mas estas são as vantagens mais diretas desta abertura. As indiretas, por outro lado, podem ser imensamente mais valiosas para todo o planeta. África vai representar o maior crescimento mundial durante as próximas décadas e é imperativo que este continente não cometa os mesmos erros que nós. É imperativo que eles saltem para o final da corrida, não só para evitar os imensos problemas ambientais que nós criamos, mas para também saldar dívidas coloniais, que os países europeus ainda têm.
Ao simplesmente darmos toda esta estrutura a países africanos, estamos a criar um enorme incentivo para que eles evitem o crasso erro do carro individual e saltem logo para uma mais saudável distribuição na mobilidade. Se ao oferecermos esta estrutura, adicionarmos mais ajudas no que toca a bom planeamento urbano, podemos oferecer a África cidades quase perfeitas, construídas de raiz com o melhor conhecimento disponível. Pois se África comete os mesmos erros que nós, o ambiente mundial vai severamente se degradar ainda mais. Os erros do passado têm que ser corrigidos para termos um melhor futuro.
Mas como outra vantagem indireta existe mais uma muito importante: inteligências artificiais ainda são muito desconhecidas. São pedaços de código ainda pouco dominados, atirados todos para dentro do compilador. Ao desenvolver este algoritmo em código aberto com recurso a uma base de dados nacional enorme, que usa dados não sujeitos a interpretação, podemos construir algoritmos básicos, mas robustos. Este algoritmo não teria que identificar se uma foto tem coelhos ou se um vídeo tem uma mensagem de ódio. Este algoritmo iria usar dados binários de localização, de origem e destino. Com este ponto de partida, podemos desenvolver algo que não vai rivalizar a vanguarda da tecnologia, mas sim contribuir para uma base mais robusta na compreensão das capacidades de uma IA e como a informação flui dentro dela. Vai ser uma tecnologia que ajuda o país, desimpedindo-nos de logística repetitiva, criando valor, em vez de eliminar empregos de pessoas que precisam deles. Uma tecnologia que ajuda em vez de tirar, algo que falta nos dias de hoje de híper automatização e capitalização.
E para finalizar, a ética e a desigualdade também seriam um fator no desenvolvimento deste código. Como é sabido, se dermos às IAs uma base de dados que indica desigualdades entre diferentes grupos, a IA vai detetar isso como um padrão e o replicar. Ou seja, se nós queremos usar uma IA para detetar padrões na nossa mobilidade, vamos ter que o fazer com cuidado e imparcialidade para evitar que se piorem as desigualdades entre os pobres e os ricos. Sim, dados socioeconómicos (entre outros) podem ser recolhidos, mas com o cuidado de não serem usados para agravarem as diferenças. O código teria que ser escrito para que se possam detetar todos os padrões de todas as pessoas de todos os diferentes grupos, mas para que quando fossemos a atuar sobre esses dados, não agravemos as diferenças. Ou seja, teria que haver uma forte componente humana em todo este processo capaz de identificar o que é uma boa mobilidade para todos e o que é mau par alguns.
Aqui, novamente, entra a robustez deste algoritmo: algo básico, devidamente compreendido por quem o usa que serve não para substituir humanos, mas para os complementar e ajudar.
E, apesar de ser o estado a contratar os programadores para a equipa que vai construir esta plataforma, ele poderia também criar incentivos para todo o país participar. Podia criar rotinas em empresas e cursos universitários da área para que todas sextas-feiras, ao final do dia de trabalho, programadores contribuíssem um bocado de código e correção de erros. Com mais ambição, este incentivo à participação pode ser internacional, beneficiando do melhor talento que este mundo conhece, para que quando o código seja compilado, nem avisos surjam.
Mais transparência na gestão e finanças
Uma das principais razões para centralizar todos os transportes públicos numa única empresa é para cortar toda a entropia e burocracia que existe neste país. No entanto, para evitar que essa mesma entropia afete a aqui proposta empresa, pode-se construir toda a sua estrutura de uma maneira mais transparente, onde todas as grandes decisões são tomadas em público e a estrutura interna da empresa, assim como as suas finanças são do conhecimento público.
Não só se permite que pessoas de fora sugiram melhorias ao funcionamento da empresa, como se evitam derrapagens nas finanças e gestão. Código aberto, empresa aberta.
Turismo nacional e comércio local
Um fim de semana alargado, um passe para todos os transportes públicos do país e umas miniférias no interior, ou na costa, ou a norte ou a sul, ou como quiseres.
Com esta oferta, fazer umas pequenas férias num fim de semana alargado torna-se muito mais fácil pois, com apenas um passe, uma pequena família pode ir onde quiser sem ter que se preocupar minimamente com o carro e o estacionamento. Fazer pequenas viagens durante o fim de semana passa a ser algo muito mais fácil e intuitivo. Consequentemente, o turismo nacional pode ganhar imensamente e as pequenas localidades passam a estar muito mais ligadas ao país (sim, atualmente essa oferta ainda é muito pobre, mas o objetivo aqui proposto é o de a melhorar).
O outro lado da moeda são os benefícios ao comércio local. Ao não estarmos sempre parados no carro, ao andarmos mais a pé, mais de bicicleta e entre paragens de transportes públicos, interagimos mais diretamente com a cidade, pois não estamos sempre fechados no carro, entre a nossa casa e o trabalho. Mais depressa fazemos as compras do mês ao longo de todo o dia e das viagens que fazemos. Deixamos de ter que comprar comida com longos prazos de validade pois mais facilmente compramos alimentos frescos nas nossas rotinas do dia-a-dia. O valor dos hipermercados diminui e os pequenos estabelecimentos ao longo da cidade passam a ter uma muito maior importância.
De volta ao básico
Ninguém gosta do trânsito. Ninguém gosta de poluição. Ninguém gosta de perder tempo à procura de um lugar de estacionamento. O que as pessoas querem é facilidade na mobilidade para poderem ir onde querem sem grandes obstáculos. Os carros oferecem uma aparência de liberdade, mas que é falsa pois quando todos temos um carro e o usamos ao mesmo tempo, acabamos por entupir todas as vias de circulação, impedindo toda a gente de chegar onde quer, de carro ou de autocarro.
Neste artigo foram escritos os muito incentivos que podem ser criados para melhorar a oferta pública e atrair mais clientes. Mas os desincentivos ao uso do carro também são necessários. Se usar o carro continua a ser excessivamente fácil e barato, então não existe grande vantagem em mudar. Faixas de rodagem devem ser cortadas e o preço de veículos e combustível devem ser aumentados. No entanto, para evitar trânsito enquanto se procura estacionamento na rua, todos os estacionamentos na via pública passam a ser livres de uso para que quando uses o carro, a viagem seja o menos obstruída possível, para evitar trânsito e poluição desnecessária.
O que aqui é proposto é um equilíbrio, onde em vez de cada pessoa ter um carro, passa cada casa a ter um. Em vez de haver uma singular montanha cinzenta de alcatrão e cimento nas nossas cidades, eliminamos algumas faixas de rodagem e criamos espaços públicos verdes onde podemos relaxar. Em vez de termos empresas municipais que pouco sabem como os seus utentes se deslocam, passamos nós a dizer o que precisamos e quando. Em vez de termos um país concentrado em duas cidades, passamos a ter uma distribuição muito mais justa e sustentável entre nós todos.
Quanto mais atrasamos as mudanças, pior é. Quando deixamos os problemas crescer para tamanhos incontornáveis, quando ignoramos os sinais e quando influenciamos diretamente vidas de imensas pessoas, as mudanças tornam-se mais difíceis. Durante demasiados anos deixamos o carro reinar descontroladamente e empobrecemos as estruturas públicas. O que quer dizer que agora, se queremos implementar estas necessárias mudanças, vamos ter que quebrar muitas estruturas já enraizadas na nossa sociedade, algo que vai causar um grande transtorno.
Mas o básico tem que ser respeitado e não podemos deixar a nossa letargia expandir até pontos insustentáveis. Já por isso temos o provérbio “prevenir antes de remediar”. E cegas jogadas políticas a curto prazo de atribuir subsídios em vez de reparar o problema apenas servem para marcas pontos. Tudo o que aqui é proposto é extremamente básico e, como tal, tem uma robustez enorme. Os benefícios aqui contemplados são imensos, mas inevitavelmente, outros virão devido ao quão simples e fundamental esta mudança é.
Se somos burros, não sabemos identificar a raiz do problema. Mais carros e gasolina mais barata só piora a nossa situação. Precisamos de menos e melhor, não de mais e pior. E se o problema é falta de tempo para esperar pelo autocarro, em vez de pedirem salários mais altos que validam a atual exploração laboral, peçam antes dias de trabalho de 7 horas para terem mais tempo para vocês e para poderem respirar e viver.