Canais de informação não faltam nos dias de hoje. Independentemente de como queiras enviar uma mensagem, certamente existirá um caminho para ti. Consequentemente, com esta enorme facilidade de transmissão, existe uma igualmente enorme quantidade de informação indesejada, a sobre carregar os nossos sentidos. Inevitavelmente, torna-se difícil distinguir o útil do inútil no meio desta tempestade de informação.
Muita da informação mais importante que recebemos vem do estado: vacinas para tomar, obras públicas na vizinhança, multas e impostos por pagar ou mensagens dos tribunais. No entanto, cada uma destas importantes mensagens pode ser recebida em locais diferentes. Umas via carta, outras via SMS, outras pelo correio eletrónico e outras nem se recebem, temos que ser nós a verificar.
Mas existe uma muito simples e barata maneira de eliminarmos este problema: o estado pode criar um serviço de correio eletrónico exclusivo a cidadãos onde apenas são enviadas mensagens importantes de ação necessária.
Fechado e sem lixo
Neste correio eletrónico institucional, apenas os cidadãos do país teriam uma conta. Ela seria criada automaticamente. Opostamente, do lado do governo, apenas algumas instituições teriam acesso a este correio para mandar mensagens importantes. Mais ninguém do restante governo ou de entidades privadas teria permissões para enviar mensagens. Ou seja, ninguém de fora pode mandar mensagens, mesmo que saibam o endereço, mas também ninguém de dentro pode mandar mensagens para fora. Ao colocar estas duas restrições, fecha-se todo este correio eletrónico a apenas questões legais e importantes, negando por completo todo as restantes mensagens de lixo.
Apenas os cidadãos têm conta e apenas mensagens importantes do estado podem ser enviadas. Avisos generalistas e precauções, publicidade e tudo o resto que não diz respeito às nossas vidas como cidadãos não seriam enviados neste correio.
Considerem alguns exemplos de mensagens permitidas:
O ministério da saúde envia-nos uma mensagem a avisar que as vacinas precisam ser renovadas.
- Quando recebemos uma multa ou temos que pagar impostos, recebemos aqui a notificação.
- Documentos importantes associados a processos legais, penas de prisão, reformas ou outras atividades realizadas através do estado seriam recebidos aqui.
- Incluindo neste correio recibos de abertura e leitura, podem também por ele serem enviadas mensagens importantes que o governo queira confirmar a sua receção.
- Se associado a este correio está a nossa morada, podemos ser notificados de obras na via pública ou em condutas de água que nos afetem.
E, contrariamente, alguns exemplos do que não seria permitido enviar:
- Mensagens generalistas como por exemplo “cuidado com o sol durante o verão”, de boas festas ou sorteios das finanças não seriam por aqui enviadas.
- Mensagens privadas entre diferentes contas também não seriam permitidas. Apenas entre as entidades permitidas.
Tendo em conta as restrições a este serviço, é expectável que a sua utilização seja rara. Como apenas o essencial seria permitido, não só recebemos poucas mensagens, como as poucas que recebemos são importantes e de ação necessária. Ou seja, fica gravado na nossa memória muscular que sempre que recebermos uma mensagem neste correio eletrónico, vamos ter que atuar sobre ela em vez de simplesmente a dispensarmos.
Desta maneira podemos em muito melhorar a nossa relação com o estado: não só perdemos menos tempo em busca de informação importante como o estado perde menos tempo e recursos com a atual fragmentação de cartas, mensagens SMS e lá o que seja a ViaCTT.
Podemos dar ainda mais um passo e criar uma versão deste correio para as empresas onde cada empresa registada recebe uma conta automaticamente, aquando a sua criação. Igual à versão dos cidadãos, todas as questões económicas, sociais, legais e outras relacionadas com a empresa cairiam no mesmo sítio. Devido à natureza plural das empresas, o acesso à conta poderia ser feito por várias diferentes pessoas. De resto, tudo seria similar.
Encriptado e de código aberto
Para assegurar que este serviço é robusto e impenetrável e que funciona como pretendido, as melhores técnicas de encriptação e segurança terão que ser aplicadas. Por exemplo, como cada conta está associada a um singular cidadão, podemos usar uma combinação do cartão de cidadão com biometrias para certificar que o cidadão detentor da conta é o único a aceder-lhe.
Para complementar esta autenticação biométrica, estaria a encriptação de todo o serviço. Devido à sua importância, ele teria que ser impenetrável a ataques onde criminosos se possam fazer passar pelo governo e roubar os cidadãos. Para certificar que toda esta segurança é válida e não apenas de fachada, todo o código seria aberto e verificável por toda a gente. Não só, mas podemos ir um passo mais à frente e colocar o hardware usado para ler o cartão de cidadão e a biometria também completamente aberto para que também ele seja igualmente seguro.
E, devido à natureza deste serviço, como ele funciona exclusivamente entre o governo e os cidadãos, não seria necessário incluir nenhuma porta secundária para dar acessos a terceiros (como tribunais) e comprometer a sua segurança. O governo teria nas suas mãos as mensagens que enviou e se foram lidas ou não. Ou seja, a sua simplicidade seria o seu ponto mais forte.
Um correio diferente, um desenho diferente
Tendo em conta as obrigações e restrições deste correio eletrónico, o seu desenho deverá ser inevitavelmente diferente. Apesar de ser fundamentalmente similar aos demais já existentes hoje no mercado, as suas especificidades abrem asas a novos desenhos e oportunidades.
Primeiro, a acessibilidade. Cegos e surdos também são cidadãos e a acessibilidade deste serviço a todos os que vivem neste país deve ser encarada como absolutamente básica onde desde os primeiros blocos construídos, o seu desenho incluí todas as diferentes pessoas e as suas necessidades. Um país é composto pelo seu todo e não pela parte que preferimos. Como tal, deve ser imperativo que toda a população consiga aceder livremente a este serviço.
Segundo, o governo tem que aprender a mandar mensagens legíveis. É regular quando recebemos mensagens do governo que elas contenham um português excessivamente complexo e ofuscado. Não só, mas o texto vem formatado de uma maneira rude, onde os títulos, texto e tabelas têm o mesmo tamanho e formatação. A informação de rodapé vem com o mesmo aspeto que a mensagem em sim. E o pequeno texto que realmente importa vem concentrado entre frases de difícil compreensão, facilmente ignorado.
Ora, para evitar estes dogmas ignorantes do passado, neste serviço, todas as mensagens enviadas devem seguir a mesma simples estrutura. Inicialmente deve ficar bem claro de onde vem a mensagem, com recurso ao nome e logotipo da instituição em questão. De seguida, o título deve ser simples e claro, com português direto. O texto que o acompanha deve ser igualmente conciso e sem rodeios, onde é explicado claramente o objetivo desta mensagem. E, como é óbvio para qualquer pessoa com o mínimo de capacidade cognitiva, as diferentes secções e blocos da mensagem devem estar corretamente espaçados e adequadamente formatados, em vez de ficar tudo junto e amontado a preto e branco num só indistinto bloco.
Terceiro, devido à importância das mensagens deste serviço e de como a maioria delas será esporádica e sem grandes anexos, nenhuma mensagem será apagada. Desde o registo inicial da conta até o cidadão morrer, todas as mensagens ficam gravadas na conta. Mesmo considerando todos os cidadãos do país, é expectável que não seja preciso muito espaço para guardar todas as mensagens devido ao facto que a maioria é apenas texto simples. Pode, no entanto, o utilizador arquivar e organizar as suas mensagens em pastas diferentes, como pretender.
E, finalmente, quarto, como nenhuma mensagem pode ser apagado e elas todas originam de apenas algumas instituições públicas certificadas, este serviço pode ser desenhado de maneira a aproveitar isso. Esta simplicidade forçada pode ser usada como uma vantagem para desenhar todo o cliente final em torno disso, onde, por exemplo, podemos filtrar as mensagens por ministério ou importância. Considerem como muitas mensagens enviadas podem ter um prazo máximo de ação (por exemplo, uma multa). Esses dados podem ser integrados em etiquetas automáticas dentro da mensagem para que quando se abra o correio, possamos ver quais as mensagens requerem ação mais urgente. Devido às restrições deste serviço, estas etiquetas e esta organização seria muito mais fácil pois as mensagens vêm sempre dos mesmos sítios com a mesma formatação. Ou seja, estas restrições acabam por abrir novos caminhos.
Inevitavelmente, com o passar do tempo, mais ideias surgirão como por exemplo incluir um calendário para melhor planearmos os nossos deveres. O que nunca deve ser esquecido é que esta plataforma deve ser simples e imediata, sem rodeios. Ou seja, tudo que a ela é adicionado deve ser bem pensado para simplificar e não atrasar, corretamente integrado no que já existe.
Menos, mas melhor
Acima de tudo, tendo em conta as restrições impostas neste serviço e a tecnologia já hoje disponível no que toca a correio eletrónico e segurança, construir este serviço seria relativamente fácil e barato. E tendo em conta que a maioria das pessoas já tem acesso a um computador ou telemóvel com internet, este serviço pode facilmente chegar à maioria, muito rapidamente.
Existe apenas a questão da autenticação via o cartão do cidadão e a biometria: seria preciso comprar um acessório capaz de executar estas duas ações. Tendo em conta a atual migração de todo o mercado de consumo para o USB Tipo-C, cria-se aqui uma oportunidade de criar um leitor que funcione tanto num computador Windows como num telemóvel Android.
O que aqui é proposto é muito simples. No entanto, não devemos subjugar o aberrante retrógrado e fraturado estado do governo português no que toca a questões digitais. Cada ministério, cada instituição, cada departamento tem um sítio, com as suas credenciais, com diferentes formatações e com diferentes regras. Existem sítios oficiais do governo que usam aplicativos Java apenas compatíveis com o Internet Explorer, um navegador já morto e enterrado pela Microsoft.
Ou seja, por mais simples que seja este serviço aqui proposto, a entropia incontornável do governo será o seu maior obstáculo. Não devemos, no entanto, fugir da mudança porque é assustadora. Como estamos hoje, estamos demasiado fragmentados e atrasados, onde esperamos dias para receber cartas registadas que por correio eletrónico chegam em minutos. Cartas essas que por vezes nos suspendem a vida até chegarem.
A oferta digital do governo português tem que mudar, isso é incontornável. Ela é simplesmente demasiado má. E temos que começar por algum lado. Este pode ser um bom primeiro passo.