Sociedade

Precisamos de um melhor equilíbrio entre trabalho, vida pessoal e reforma

Como estamos hoje, vivemos em extremos: ou a trabalhar, ou em casa no sofá e quando nos reformamos, é do dia para a noite. Isto não é sustentável. Precisamos de um maior equilíbrio nas nossas vidas.

Hoje, com todo o conhecimento que temos, quase nunca atuamos sobre ele. Sabemos que o equilíbrio é desejável, mas operamos sempre nos extremos. Perdemos imenso tempo no trânsito para ir para um trabalho que nos explora, para recebermos um salário precário que irá inevitavelmente resultar numa reforma precária. Não descansamos como deve de ser, nem trabalhamos com prazer. Tudo fica entupido, nada ventila e extremismos surgem.

Uma das principais razões para a nossa precariedade é que os serviços sociais que nos deviam simplesmente tratar por igual, cresceram para uma complexidade entrópica que tudo atrasa e nada resolve. Foram criadas tantas exceções para quantificar as nossas diferenças que as igualdades que nos unem foram ignoradas. Estatutos especiais são criados para cada pequena diferença, criando apenas mais entropia e menos agilidade. Consequentemente, para o estado conseguir responder a estas novas barreiras e divisões que ele próprio inventou, são necessários mais serviços e organizações, mais paragens e documentos para verificar a elegibilidade. É como em programação: quando tens duas linhas de código, é difícil encontrar buracos, está tudo à tua frente, mas, quando tens mil linhas de código cheias de exceções, falhas são inevitáveis. E é por aí que os ataques ocorrem.

Os sistemas sociais que nos deviam ajudar estão imensamente entrópicos, cheios de complexidades e buracos. Para o setor público existe um sistema, para os restantes existe outro. Os mais pequenos são forçados a esbarrar contra todos os obstáculos enquanto que os mais ricos podem pagar para passar pelas falhas. Inevitavelmente, aqueles que mais rapidamente precisam de uma ajuda ágil são os que menos têm, tendo que esperar imenso tempo por algo que poderá nunca chegar. Têm que meter folgas no trabalho para poderem andar às voltas à procura do próximo papel a assinar, folgas essas que precisam drasticamente para descansar.

Isto prova que, lentamente, mas certamente, foi construída uma enorme camada de complicação sem ligação nenhuma à sua base original. Nós afastámos-mos tanto daquilo que era o objetivo inicial que já não sabemos o que ele é. Já não existe razão ou justificação, apenas entropia e complicação.

Nós estamos mal, forçadamente mal e temos que mudar.

Lisboa, Jason Briscoe, Unsplash
Lisboa, Jason Briscoe, Unsplash

Equilibrar o esforço e a recompensa, o trabalho e o descanso

Primeiro, temos que eliminar uma das maiores divisões entre o público e o privado: os nossos dias de trabalho devem ter no máximo 7 horas (ou menos). Nós não somos máquinas. Nós somos humanos e se queremos tirar o máximo proveito das nossas capacidades, temos que as deixar evoluir. Se nós forçamos uma pessoa a trabalhar exaustivamente sem lhe darmos liberdade para ela se explorar e desenvolver, então aí sim, podemos a substituir por uma máquina pois ela comporta-se como uma. Mas se dermos liberdade às pessoas para construírem uma vida privada mais rica, para descansarem depois do trabalho, para se explorarem, para evoluírem e aprenderem algo novo, iremos, como sociedade, receber benefícios não só do nosso trabalho como do nosso descanso e diversão.

Algo que é óbvio para alguns, mas imensamente inalcançável para outros é que nós não somos binários. A liberdade é algo que não nos pode ser tirada. É uma constante nossa e sem ela, o caos instala-se. Nós temos que ter tempo para sermos plenos na nossa identidade (sendo que muitos ainda a precisam encontrar em primeiro lugar). Se perdemos imenso tempo no trânsito a acumular stress para irmos para um trabalho mal pago que mais stress gera, inevitavelmente, vamos sair do trabalho para uma vida privada já encurtada e pressionada.

Todo este stress em torno da nossa busca pelos mínimos de sobrevivência causa problemas evitáveis.

No entanto, se usarmos esta hora extra do dia para continuarmos sozinhos em torno de um ecrã, vamos acabar por continuar os nossos maus comportamentos. Ou seja, não só temos que reduzir os nossos horários de trabalho como temos que também incentivar melhores comportamentos nas nossas vidas. Para além do estado reduzir o horário de trabalho para 7 horas, ele deve também planear e ordenar as cidades em torno dos transportes públicos e bicicletas para que as pessoas se movam mais livremente sem estarem presas dentro do carro a inalar poluição. As cidades devem também valorizar mais os espaços públicos para que não vivamos apenas dentro das nossas casas, isolados, mas em sociedade, uns com os outros.

Outro bom incentivo é o a passatempos e atividades lúdicas, ao descanso sem a tecnologia. Em conjunto com o melhor planeamento urbano mencionado acima, as cidades devem ser projetadas para que estes passatempos, desde pintura e escultura até futebol e fotografia sejam possíveis para o máximo número de pessoas possíveis.

Se estas e outras medidas forem corretamente usadas para melhor equilibrar as nossas vidas, então, incontornavelmente, iremos não só trabalhar melhor, com uma mente mais clara e desimpedida, mas iremos também motivar o bem-estar da sociedade com o nosso novo e melhor tempo privado. Iremos ter mais tempo para vivermos e descansarmos, para fazer mais sexo e melhor educar os filhos que já temos, mais tempo para termos conversas longas e necessárias que verdadeiramente resolvam os nossos problemas, mais tempo para seguirmos os nossos sonhos e mais tempo para simplesmente podermos parar e nada fazer, apenas ouvir o vento nas árvores.

E porque é que tanto texto está a ser dedicado ao lazer e passatempos? Bom, porque quando nos reformamos, a nossa vida que tanto esteve associada ao nosso emprego, sofre um enorme desequilíbrio. Quando durante décadas estivemos a esmagadora maioria do tempo associados e ocupados pelo nosso emprego e, de repente, de um dia para o outro, perdemos isso, um enormíssimo buraco é criado na nossa vida. Más tendências cultivadas durante uma vida agravam-se e perde-se ainda mais tempo parado a ver televisão, a comer má comida e a desenvolver problemas mentais devido à letargia de não ter nada para fazer.

Ao reduzir o horário máximo de trabalho para 7 horas e ao estimular o prazer de passatempos, certifica-se que quando uma pessoa entra para a reforma, não o faz repentinamente sem nenhuma rede de segurança. Pode continuar os seus passatempos e manter alguma continuidade na sua vida, evitando grandes desregulações.

Outra grande medida que o estado devia implementar é a reforma gradual (reduzir uma hora de trabalho a cada 6 meses, ou outro intervalo de tempo) para todos os trabalhadores. Sim, existem imensos empregos diferentes com funções muitos díspares, mas, independentemente disso, se subitamente ficamos sem esse emprego, o impacto é enorme, seja a pessoa uma médica ou um construtor civil. Ao aplicar a mesma regra a toda a população, pobre ou rica, do público ou do privado, asseguramos que esta transição entre trabalho e reforma é adequada a todos os trabalhadores.

Ao criar uma reforma gradual, cria-se também uma melhor transição entre o velho e o novo, onde quem sai pode ir o fazendo enquanto ajuda a introduzir e treinar os novos, que com estágios ou outros sistemas podem também entrar gradualmente.

E, como temos cada vez mais acesso a melhor alimentação e saúde (apesar de muitos não a usarem e entram antes na obesidade com problemas cardíacos), a idade da reforma deve estar associada à esperança média de vida para evitar que nos reformemos cedo demais e desperdicemos um enorme pedaço da nossa vida útil. Muitas pessoas reformam-se simplesmente porque sim, porque atingiram aquela idade e isso é o que se faz, por mais anos úteis que ainda tenham à frente. E essa rigidez tem que desaparecer.

Retornemos mais uma vez aos passatempos: ao os estimular, não estamos apenas a incentivar um mais positivo uso do nosso tempo livre, mas sim a nos abrir outros mundos que não veríamos se estivéssemos sempre fechados no trabalho ou em casa. Isto vai criar em nós uma maior flexibilidade mental que nos permite mais facilmente mudar de emprego pois vamos estar mais expostos a outras realidades que não a nossa. Como tal, mudanças maiores deixam de ser tão ameaçadoras.

Consideremos como muitas pessoas preferem estar sempre no mesmo emprego até à reforma e encaram a mudança como algo dramático. É uma das intenções destes passatempos que se crie em nós um maior relaxar das nossas atitudes em relação aos nossos empregos para que eles não tenham a suprema importância que têm hoje. Isto é importante porquê? Porque desta maneira, pessoas que tenham empregos mais taxativos e se queiram reformar mais cedo podem, ao invés disso, ir para um outro emprego que seja mais relaxado e adequado às suas condições, certificando que mantêm a sua vida mais ativa durante mais tempo e não tão parada na reforma.

Um exemplo: um construtor civil que já tenha o seu corpo mais gasto, já perto da idade da reforma, pode-se reformar parcialmente desse emprego, onde vai trabalhar para outro local mais “leve” durante 4 horas por dia, recebendo esse salário mais o equivalente a 3h por dia da reforma.

Outro exemplo: um médico que esteja próximo da sua idade da reforma e que tenha um gosto por jardinagem pode deixar a medicina, reformando-se parcialmente e dedicar-se em tempo parcial a jardinagem. Pode também trabalhar 5 horas por dia em algo que era antes o seu passatempo e receber o equivalente a 2 horas por dia da sua reforma.

O essencial do que aqui foi escrito é o equilíbrio: o equilíbrio entre trabalho e vida privada e o equilíbrio entre trabalho e reforma. Sempre sem transições bruscas e desumanas. Mas, para isso acontecer, várias outras mudanças têm que ser implementadas em vários outros setores da sociedade.

Aurelien Romain, Unsplash

Inevitavelmente, o código de trabalho também terá que mudar

Ora, é muito bonito escrever o que já aqui foi escrito, a defender um maior equilíbrio entre vida e trabalho, enquanto a precariedade laboral ainda é um enorme problema para muitas pessoas. O que quer dizer que, se queremos ter vidas privadas equilibradas e reformas relaxadas, temos que primeiro ter estabilidade no emprego que temos agora.

Enquanto é mais fácil empresas darem recibos verdes em vez de contratos, não podemos esperar nenhuma grande mudança na sociedade em torno da estabilidade. Os governos teimam em mudar as variáveis existentes para satisfazer as suas ideologias políticas cegas, negando que a realidade do país é imensamente diversa. Com cada grupo político a querer forçar a sua visão das coisas numa população heterogénea, problemas tornam-se inevitáveis (a esquerda cria novas taxas e subsídios e a direita corta tudo). Se queremos genuinamente mudar algo, não podemos jogar apenas com as variáveis que temos, temos que criar novas e eliminar as velhas.

Os contratos não podem ter demasiadas restrições e condições ao ponto de levar todas as empresas simplesmente a subcontratarem todos os seus trabalhadores com recibos verdes. Contrariamente, um excessivo corte de legislação acaba no mesmo ponto, na precariedade anárquica. É necessário que a legislação dos contratos assegure uma base comum a todos, onde os direitos e dignidade do trabalhador estão sempre assegurados, mas sem restringir a diversidade laboral do país.

Contratos devem remover restrições salariais e permitir que o salário oscile conforme a sorte da empresa. E dentro do dinheiro que o trabalhador recebe, ele deve poder escolher sobre quanto descontar para a segurança social, assegurando assim uma reforma mais sólida. Ou seja, a empresa continua a descontar a sua parte para a segurança social, mas, ao pagar os trabalhadores um salário base com diferentes subsídios ou valores base, o trabalhador deve poder descontar o que quiser (entre mínimos e máximos estabelecidos) dentro do total de dinheiro disponível.

A greve dos condutores de cargas perigosas serve de bom exemplo: no total recebiam um relativamente bom salário, mas mais sob a forma de subsídios livres de imposto com um salário base baixo, algo que resulta numa menor reforma. Com estes novos contratos, o trabalhador poderia escolher descontar quanto quiser, dentro de todo o dinheiro que receber. Num ginásio, dependendo do trabalho que um treinador faz, ele pode receber valores salariais muito diferentes de um mês para o outro (monitorizar sala de musculação, aulas em grupo ou treino individual). Não obstante, ele continua a trabalhar regularmente nesse ginásio. Este novo paradigma de contratos faz com que, independentemente da variabilidade do trabalho de cada um, o contrato permita isso e permita que o trabalhador decida quanto descontar. Muitos empregos são assim, variáveis. Não faz sentido que os seus contratos sejam rígidos.

No entanto, para evitar que empresas, com esta nova variabilidade de salários em contrato, comecem a pagar valores muito baixos, leis também devem ser modificadas para que certos valores da saúde financeira da empresa (quanto dinheiro entrou, saiu e quanto é lucro, por exemplo) sejam forçosamente partilhados com os trabalhadores, para eles saberem que não estão a ser enganados. Assim, a empresa pode pagar melhor ou pior consoante a sua saúde e os trabalhadores saberão se isso é justificado ou não. Continuando neste tema, uma maior transparência salarial entre trabalhadores também deve ser estimulada, para que grandes desigualdades entre os do topo e a base não cresçam.

Do lado oposto, recibos verdes não devem ser vistos como solução para todos os problemas laborais. Recibos verdes e subcontratação não devem ser tão aliciantes como são hoje. Leis devem ser criadas de maneira a que a subcontratação por recibos verdes seja mais cara do que a contratação direta do trabalhador. Se ele faz o mesmo trabalho regular, todos os dias, ano após ano então deve ser mais fácil contratar essa pessoa do que a explorar à distância.

A distribuição dos pesos de descontos e impostos sobre trabalhadores e empresas que usem recibos verdes devem ser distribuídos conforme a regularidade do trabalho. Se o trabalhador trabalha 7 horas por dia e 5 dias por semana, então deve ser mais caro para a empresa o pagar em recibos verdes do que em contrato. No entanto, nem toda a população trabalha nos mesmos horários da mesma maneira. Existem imensas pessoas que prestam serviços irregulares a empresas e para essas pessoas os recibos verdes devem ser uma solução fácil para obter rendimentos, onde os impostos já são mais leves.

Voltemos ao que foi dito anteriormente sobre passatempos e 7 horas máximas de trabalho por dia. Ao estimular passatempos além do trabalho, é natural que imensos pequenos trabalhadores por conta própria surjam para servir esses passatempos. Por exemplo, alguém pode ter um emprego regular durante o dia, mas, chegando a noite, pode dar aulas de pintura ou de algum desporto a quem queira. Lá está, o tema deste artigo repete-se novamente: para diferentes empregos, diferentes soluções, mas as mesmas proteções básicas. Um equilíbrio harmónico.

O código de trabalho não pode ser algo rígido e intransigente numa sociedade variada e diversa. Mas também não pode ser algo tão solto ao ponto de as empresas poderem pagar ninharias sem segurança laboral nenhuma. Nenhum partido político ganha as eleições com 100% dos votos de 100% do eleitorado. Como tal, nenhum deles deve falar como se representassem o país todo. O que devem antes fazer é deixarem-se de jogos políticos e encontrarem o seu meio termo que conjugue o melhor de cada lado.

O estado deve criar uma base simples e robusta a todos os trabalhadores, base essa onde depois o privado vai construir a sua diversidade económica. Se quem lê isto acha isso impossível, uma base tão simples e robusta comum a todos, sugere-se que estudem a posição da água em todas as estruturas vivas deste planeta. É muito simples e é a base de (quase) tudo que vive.

Praia da Formosa, Christoffer Engström, Unsplash
Praia da Formosa, Christoffer Engström, Unsplash

Não há sustentabilidade com precariedade e desigualdade nas reformas

Mas existe algo mais que tem que ser mudado para que este equilíbrio seja ainda mais permeante: regular a desigualdade entre os mais pobres e os mais ricos nas reformas.

Como somos animais sociais, dependemos uns dos outros. E se existem enormes diferenças entre nós, sem nenhuma igualdade a nos ligar, os resultados da nossa sociedade são instáveis e insuportáveis. Explorar trabalhadores e trabalhadoras uma vida inteira, deitando-os na reforma todos adoentados e sem nenhuma alternativa apenas resulta num enchimento inevitável dos serviços sociais por parte de idosos quebrados.

Ou seja, continuando com as ideias de distribuição equilibrada, nas reformas, devemos assegurar os mínimos de humanidade, mas também os máximos de sustentabilidade. O estado deve ser a base, mas não o extra. Explicando: mesmo que a pessoa faça poucos descontos devido a precariedade ou instabilidade (por exemplo, um cego que tem dificuldade em encontrar trabalho), essa pessoa deve ter em reforma um valor igual ao salário mínimo. Todas as pessoas que cumpram um certo valor de descontos e horas de trabalho ao longo da sua vida devem ter o mínimo da sua humanidade assegurada também na reforma. Claro que para pessoas que sofram de alguma deficiência, esse limite mínimo de acesso será mais baixo do que para alguém mais capaz, mas mesmo assim, o respeito pela nossa humanidade mantém-se por todos.

Isto é diferente do rendimento universal básico pois impõem limites mínimos de acesso, e não é incondicional na sua entrega de dinheiro. Se os limites mínimos de acesso forem bem estipulados, em conjunto com as restantes mudanças acima mencionadas, a maior parte da população terá acesso a esta nova reforma mínima, sem problema. Mas se mesmo assim alguém conseguir descontar menos do que o mínimo, então receberão algo inferior ao salário mínimo. Com a liberdade de escolha do que descontar em conjunto com contratos mais flexíveis, espera-se estimular mais trabalho legal e desincentivar pagamentos ilícitos por debaixo da mesa sem descontos. Por exemplo, se uma empregada de limpeza sempre trabalhar com alguma precariedade, mas o fizer durante toda a sua vida, deve também na reforma receber, no mínimo, o equivalente ao salário mínimo e não uma ninharia com subsídios extra.

Certifica-se com este mínimo de humanidade na reforma que as pessoas não tenham que recorrer tanto aos serviços públicos e sociais na terceira idade, sempre dependentes de subsídios. Estes mínimos são a prevenção antes da remediação, para que, em conjunto com tudo o que foi dito antes, esse equilíbrio se mantenha até ao final das nossas vidas.

O lado oposto desta balança é impedir que o estado faça mais do que o suficiente. Ou seja, deve-se colocar um limite máximo às reformas públicas. Sim, o equilíbrio é aplicado de ambos os lados: assegurar o mínimo e o máximo. O estado não deve ser uma máquina de lucros ou um banco, mas sim uma base robusta. O equivalente à cana de pesca, mas não o peixe.

Ao colocar um teto máximo nas reformas (algo entre 2500 ou 3000€, mais ou menos), certifica-se que o tamanho do estado social seja mais pequeno e ágil para que não seja algo obeso incapaz de reagir às necessidades da sua população. Muitos países encontram problemas financeiros porque deixam os seus serviços sociais explodir para níveis insustentáveis. Se considerarem tudo o que aqui foi escrito, o acesso a boas e robustas reformas é muito facilitado, mediante o cumprimento de algumas regras. Ora, para evitar que demasiadas pessoas depois abusem da oferta, coloca-se um corte.

O estado continua ágil na sua resposta social, toda a gente tem acesso a ele, caso recessões ataquem ele consegue responder melhor pois é mais pequeno e atlético e, se alguém quiser tentar roubar o estado, será dissuadido pelo teto máximo rígido, imposto a todos.

Mas existe mais um argumento para este teto máximo: o (saudável) estimular do privado. Ao criar um certo corte máximo na reforma, faz sentido que quando alguém consiga atingir a reforma máxima, os seus descontos para a segurança social baixem um bocado e que seja permitido a essa pessoa investir o que lhe sobra no privado. Ou seja, agora que atingiste o máximo que o estado social dá, vais poder passar para o setor privado com mais algum dinheiro extra para poderes investir como quiseres, para tentares obter riquezas que o estado não te dá.

Ou seja, os descontos nunca acabam (para licenças de parto, baixas médicas e outras necessidades), mas podem baixar para um nível que permita deixar fluir o resto do dinheiro para o privado para estimular o mercado e as nossas fontes de rendimento. Assim certifica-se que a segurança social continue sempre a obter rendimentos saudáveis de todos, mesmo que já tenham a reforma máxima garantida. Esta é mais uma razão a favor da agilidade do que aqui é proposto.

Naturalmente, para quem tem alguma memória, ao ler isto, irá se lembrar da crise económica de 2008 que arrasou com o sistema financeiro mundial e as reformas privadas de muitos. Isto quer dizer que para as pessoas pegarem no seu dinheiro extra e com confiança se virarem para o setor bancário privado, novas leis devem ser criadas para estipular os riscos que podem ser tomados e como esse dinheiro é gerido pelos bancos. Regras devem ser desenhadas de maneira a que lucros sejam possíveis, mas bolhas económicas sejam evitadas.

Com outras regras bancárias que forcem o dinheiro a fluir saudavelmente e que taxem severamente grandes fortunas malparadas (um grande problema nos dias de hoje), podemos certificar que os nossos investimentos são distribuídos por toda a sociedade, criando assim um capitalismo mais saudável e fluído, onde o dinheiro está sempre a circular, em cima da robusta base social do estado. Considere-se o que foi escrito anteriormente sobre o estimular de passatempos e de uma melhor vida privada: podemos estimular esse crescimento do setor do lazer com este dinheiro. Lá está, baixa-se uma variável num lado para aumentar no outro, equilibrando assim a balança.

Death Valley, Aldric RIVAT, Unsplash
Death Valley, Aldric RIVAT, Unsplash

Com coragem, as mudanças são possíveis

Muitos preferem o conformismo com o tóxico e mau que existe em vez de enfrentarem o medo da mudança. Já por isso elegemos sempre os mesmos dois partidos para liderar o país. E esta aparente rigidez política esconde o quanto à deriva nós andamos. Gastamos imenso dinheiro diretamente em estruturas sociais convolutas e entrópicas e perdemos outro tanto indiretamente quando pessoas faltam ao trabalho para andarem atrás de papeis do governo para o governo.

Se o equilíbrio aqui proposto for bem desenhado, entre o lazer e o trabalho, o público e o privado, certificamo-nos que mesmo com grandes impactos económicos, o país estará mais bem preparado para lidar com os problemas que surjam, pois não temos demasiado peso sobre o setor público ou demasiada desregulação do privado. Iremos sempre ter uma boa base que nos dá segurança o suficiente para que, quando cairmos, essa base de segurança esteja lá para nos ajudar e o setor privado esteja fluído e flexível o suficiente para facilmente entrarmos nele de novo.

Igualmente, se quiseres envergar por um novo caminho na tua vida, a robustez da base social dá-te a segurança para o tentares e a flexibilidade do setor privado a oportunidade de conseguires o que queres. E como um último detalhe com grande potencial de todas estas mudanças é a nossa maior capacidade de rejeitarmos trabalho precário pois, novamente, teremos uma rede social mais segura na qual podemos esperar um bocado mais até encontrarmos um emprego mais adequado e respeitador do que nós somos (um setor privado mais agilizado também ajudaria aqui).

Ao reduzirmos o tamanho do setor social para algo mais pequeno e ágil, mas mais robusto e ao estimularmos mais equilibradamente o setor privado com uma justa flexibilidade, podemos criar um sistema nacional imensamente capaz de levar com muita pancada em cima e continuar a correr a maratona com poucos desvios.

Se o setor laboral é flexível nas suas muitas e plurais atividades, então o código que o gere também o deve ser. E se o respeito pelos nossos direitos e valores deve ser inquebrável, então a base que os gere também o deve ser. O setor público deve fazer o básico robusto comum a todos e o setor privado que fique com o tratamento especial para os que o querem.

Estamos (talvez) perante uma nova recessão onde os países do Sul focam-se apenas em melhorar as suas contas e os do Norte apenas em guardar o dinheiro enquanto estímulos em vários setores são necessários. Com estes extremos caímos todos, mas com uma sustentabilidade equilibrada e distribuída somos inquebráveis.

O que aqui é proposto demora muito tempo a implementar pois nada que vale a pena é fácil. E mesmo estando o plano concretamente definido, implementá-lo é outra longa dor de cabeça (por onde começar?). É, no entanto, algo que não devemos ignorar ou esquecer na nossa cobardia a curto prazo de legislações de 4 anos, mas sim sempre lutar para o implementar. Estas mudanças devem ser faseadas, ponderadas e graduais, sem grandes saltos forçados para marcar pontos políticos antes de eleições. Se os partidos políticos jogam sempre o mesmo jogo com as mesmas variáveis, inevitavelmente, pouco muda. Algumas variáveis podem parecer mais bonitas, mas em geral tudo fica igual. O que é necessário é mudar o jogo e as suas regras para nos podermos adaptar ao novo campo e a todos os novos e diferentes jogadores.

Salários mais altos e repor o que foi perdido durante a crise apenas cimenta a ideia de que, com dinheiro suficiente podemos explorar quem quisermos. Com todos os problemas que assolam o país, se a única coisa que sabemos pedir é mais dinheiro, acabamos por resolver nada enquanto incentivamos a continuação de más práticas. E aí, o problema somos nós.

Não existe equilíbrio na nossa sociedade. Não temos nenhuma âncora. Temos então que voltar ao básico, a bom porto, para nos podermos recompor e voltar com propósito aos incertos mares por navegar do nosso futuro. Uma revolução para acabar com a entropia que nos separa e voltar ao intransponível básico que nos une. Um equilíbrio.