De todas as formas de governação que existem, a democracia é a menos má. É referida como sendo um auge governamental, algo perfeito, a proteger dos invasores autoritários. Mas ela tem falhas. E é quando nós ignoramos essas falhas, que os invasores as exploram (a Rússia e os seus trolls).
Uma democracia depende apenas de um aspeto: da educação do seu eleitorado. Sem ela, não existe. Hoje temos um aproveitar de crentes ingénuos por aproveitadores políticos. E é assim que a campanha russa tem tanto impacto: as populações mais afetadas pelas campanhas de notícias falsas são as que têm níveis de educação mais baixos. A educação que devia ser o pilar principal de qualquer democracia é agora posta de lado para discutir dinheiro e finanças, custos e défices.
A Alemanha ainda tem uma enorme divisão entre este e oeste, o que levou ao surgimento da AFD. Nos EUA, as divisões são incontáveis, de tantas que são. Os trolls russos exploraram-nas todas. Os países escandinavos, de tão progressivos que são, ignoraram instabilidades sociais e aceitaram enormes quantidades de emigrantes sem fazerem os ajustes necessários. Têm agora também populistas nos seus parlamentos.
E mesmo com todos estes indicadores de instabilidade e divisões, todas as conversas se centram no dinheiro. Dinheiro, dinheiro, dinheiro, a definição do nosso ser. Existem problemas na saúde? É com dinheiro que se resolve. Existem problemas nos empregos? Aumenta-se o salário. Temos enormes problemas e divisões na sociedade? Porque não despejar mais dinheiro?
Em parte, esse problema é causado pela cegueira da população que acha isso, que com mais dinheiro, tudo se resolve. Que com maiores salários, vão magicamente ganhar mais horas para passar com a família. Que com mais psicólogos se resolvem os problemas endémicos da sociedade. Que com mais dinheiro os roubos de equipamento militar desaparecem. Que com mais dinheiro a dívida deixa de existir.
Nós não sabemos como funciona o nosso país. Nós temos uma visão errada de como os problemas ocorrem e, como tal, propomos soluções desadequadas. Muitas vezes, em vez de atacarmos o problema na raiz, simplesmente o remediamos continuamente.
No vídeo, é mencionado o exemplo do SNS. Mas existem outros. Considerem os incêndios e o nosso presidente. A esmagadora maioria de incêndios são causados por nós, por nós não limparmos os matos, pela nossa poluição, pelas nossas queimadas, pelo nosso lixo deitado pela janela do carro, pela nossa construção de casas no meio de mato seco e pelas aldeias com minúsculos números de pessoas que vivem isoladas do resto do país.
Mas, no entanto, os média passam horas e horas, todos os dias, a repetir o mesmo horrível ritual de insinuar que os incendiários são o problema, enquanto exploram a níveis aberrantes e viscerais o sofrimento da população. Sempre com a câmara, pronta a captar o choro, mas nunca a solução. Viva a liberdade de imprensa que para tudo é usada menos para jornalismo.
Sim, o governo tem a sua enorme culpa com a desregulação completa das florestas naturais, a cedência a lobbys, os seus maus sistemas de aviso e a geral inatividade em torno de prevenção. Quase todas as medidas anunciadas são na remediação: mais bombeiros, mais tanques, mais aviões, mais dinheiro para mais sistemas. Nunca se fala em reconstruir as florestas, para que os fogos não comecem. Nunca se fala em pagar salários decentes a bombeiros que muitas vezes são voluntários. Nunca se fala em proibir construções de casas isoladas ou num concentrar da população em maiores centros habitacionais para que não estejam todos espalhados, mais difíceis de aceder. E, estranhamente, muitos planos governamentais vão reconstruir tudo como estava antes, sem mudanças, para que arda tudo de novo de maneira igual.
E no meio disto tudo, em vez de ouvirmos os especialistas, os doutores da área, os que melhor sabem lidar com este problema, ouvimos o nosso presidente a dizer que está em contacto com o comando central, a abraçar os bombeiros e os populares. Sim, o presidente é mais destrutivo do que construtivo porque, com o seu enorme peso mediático, os jornais e televisões juntam-se todos à sua volta, captando a emoção, espremendo ao máximo a nossa atenção. Sempre sem dar uma única vez a palavra aos especialistas.
A nova internet pode ajudar, apenas em conjunto com a velha educação
A internet que tanto desregulou, pode ser usada para voltar a estabilizar as nossas sociedades e democracias. Sim, basta a sabermos usar corretamente. Até este momento, a internet tem sido exclusivamente capitalizada por gigantes tecnológicos norte americanos ou governos autoritários e as suas campanhas. O exato oposto da sua visão inicial. Se, com vontade e iniciativa, reajustarmos a internet para o bem de todos, ela pode ser a solução para muitos dos nossos problemas.
Se.
Este “se” apenas existe com boa educação. Temos que deixar de considerar a nossa sociedade como uma equação financeira e passar a ver o conjunto pelo seu todo. Neste momento, os média só pioram a nossa compreensão, com as suas paupérrimas coberturas de temas importantes. Os políticos aproveitam-se e são eleitos com promessas vazias.
A democracia somos nós. O país somos nós. E a nossa educação é a nossa identidade. E neste momento crítico, com um mundo em expansão, com mudanças a cada dia, a nossa preparação está a falhar redondamente.
A internet é das melhores ferramentas ao nosso dispor. Só temos que a usar corretamente.
Leituras extra:
- Sobre as instabilidades políticas:
- The New Language of European Populism, Foreign Affairs
- Against Identity Politics, Foreign Affairs
- Europe’s populists are waltzing into the mainstream, The Economist
- Sobre educação:
- Sobre tecnologia e democracias: Software As Politics: How The Power Of Tech Can Be Held Accountable, Fast Company
- Sobre não saber reconhecer a solução e ter medo da mudança: Moradores da Póvoa de Santa Iria querem eliminar ciclovias, Público
- Sobre Sócrates e democracia (com um título um bocado sensacionalista e distorcido): Why Socrates Hated Democracy, The School of Life
Fontes:
- Resultados das eleições legislativas de 2015
- Why People Vote Against Their Own Interests, Forbes
- Isaltino: “O poder não é a cadeira, o poder é a capacidade para ouvir as pessoas”, Público
- Why people don’t vote, Raconteur
- German election: Merkel wins fourth term but far-right AfD surges to third, The Guardian
- EU’s Populist Icon Orban Wins Trump’s Attention in U.S. Reversal, Bloomberg
- O jogo das escondidas dos deputados no financiamento partidário, Observador
- Against Identity Politics, Foreign Affairs
- Italy’s Populist Parties Win Approval to Form Government, The New York Times
- Poland’s judges boycott Supreme Court posts, accusing the government of a takeover bid, The Washington Post
- Todos os planos de Assunção Cristas para o Metro de Lisboa, Público
- Há mais médicos de família a reformarem-se do que novos a entrar no SNS, Expresso
- SNS precisa de mais do dobro dos reumatologistas, Expresso
- Portugueses comem carne a mais e abusam do sal e do açúcar, Público
- Má alimentação contribui para metade das causas de morte e doença, Jornal de Notícias
- Quase metade das portuguesas não faz actividade física suficiente, Público
- O custo da inatividade física, SNS
- Wikipedia:
- Foto de busto de Sócrates, Sting
- Acrópole de Atenas, Leo von Klenze
- A morte de Sócrates, Jacques-Louis David
- Precisamos hoje, mais do que nunca, de boa educação, Libratum
Música tirada da biblioteca do YouTube: Sunday, Otis McDonald
Vídeos tirados de VideoBlocks.
Foto da miniatura do YouTube: Frederic Köberl, Unsplash