Com o surgimento de uma versão de capitalismo desmesurado e a explosão do uso de tecnologia nas nossas vidas, as empresas tecnológicas transformaram-se nas maiores do mundo, pressionadas a aumentar ao máximo os seus lucros, a qualquer custo. Tendo mais olhos que barriga, elas inventam desnecessários e inúteis objetos. Silicon Valley adora vender-te porcarias que não precisas. São bonitas de ver, mas absolutamente desnecessárias. Com uma precisa e constante regularidade, soluções são inventadas para problemas que não existem, enquanto os verdadeiros problemas são ignorados.
O Facebook copiou as histórias do Snapchat mas esqueceu-se de limpar a sua plataforma de ódio. Televisões curvas e com efeito 3D foram criadas, que ninguém comprou porque são de literal pior qualidade em relação às normais, planas televisões. Entretanto, as suas plataformas de SmartTV continuam uma desmesurada e fragmentada confusão.
Temos agora telemóveis com ecrãs de ponta a ponta, quase sem molduras visíveis. Mas continuam todos super quebradiços e mal desenhados, ao ponto de se desatualizarem em poucos anos. A rede 5G vem aí, mas ainda não resolvemos os problemas de cobertura de sinal em zonas com densidades populacionais altas.
Relógios inteligentes são a mais recente moda que prometia mudar tudo. Acabaram por ter vendas baixas pois eram completamente inúteis e desnecessários. Os portáteis são mais finos e com menos portas. Os telemóveis perderam a porta 3.5mm. Temos agora que comprar uns 2 ou 3 acessórios para podermos ter alguma compatibilidade com as restantes interfaces.
Desde o Lumia 1020, com um dos maiores sensores alguma vez colocados num telemóvel e um verdadeiro flash, não tem havido nenhuma evolução em câmaras nos telemóveis. Agora o mesmo sensor é ligeiramente modificado e repetido duas ou três vezes para evitarem gastos (e maximizarem lucros) no investimento de novos e maiores (e melhores) sensores. Não existe inovação em novas lentes com zoom ótico ou obturadores.
O modelo de vendas destas empresas é esse: é rápido de desenvolver, barato de vender, mas caro de comprar.
Carregadores sem fios são apenas mais uma moda efémera
Os carregadores sem fios já têm alguns anos mas, apesar de serem ineficientes, ainda persistem, por terem uma aura de ficção científica: transmitir energia pelo ar. Os primeiros padrões começaram a surgir pós-2010 tendo todos surgido e desaparecido, sendo o padrão original, Qi, o agora mais usado.
O princípio de funcionamento é tão velho quanto a eletricidade: fios enrolados sobre si criam um núcleo circular que, quando é atravessado por uma corrente, induz electromagneticamente outra corrente num similar núcleo do outro lado. Ou seja, a base tem um núcleo (indutor) e o telemóvel tem outro (recetor). Esta é a explicação simples. A realidade é muito menos agradável.
Ao usar este tipo de transmissão sem fios, muita energia é perdida, o que leva a uma baixa eficiência energética. Por cabo, essas perdas são negligenciáveis. Esta energia é perdida sob a forma de calor, que aquece a bateria e a área envolvente. Consequentemente, demora mais tempo carregar o telemóvel sem fios do que com fios. Isto leva a que seja preciso usar mais energia para conseguir atingir níveis similares aos do carregamento sem fios. Ora, mais energia usada, mais energia perdida e mais calor gerado.
Como as baterias atuais já atingiram os seus limites de densidade energética e velocidade no carregamento, estar a forçar esses limites com mais calor não é sensato. Assumindo que o telemóvel é carregado regularmente num carregador sem fios, ele vai estar sujeito muitas mais vezes a calor excessivo que mais rapidamente degrada a bateria.
Pondo de parte as principais desvantagens desta tecnologia, são os pequenos detalhes que provavelmente vão chatear mais as pessoas. Devido à natureza destes núcleos, se o telemóvel não estiver perfeitamente alinhado, a sua eficiência decai rapidamente, podendo nem carregar. Isto quer dizer que não podes simplesmente deixar o teu telemóvel em cima de uma superfície indutora. Tens que o precisamente colocar na área designada para que os núcleos se alinhem. Não só, mas se o telemóvel está em cima dessa superfície, tu não o podes usar na tua mão. Tens que o manusear cuidadosamente sem que ele se desalinhe. E até agora ainda ninguém inventou uma utópica mesa onde toda ela pode ser indutora, onde possas deixar o telemóvel em qualquer canto, de qualquer maneira.
Agora considerem os atuais banais carregadores com fio: a sua eficiência energética é máxima, o tempo de carregamento menor, e as perdas energéticas diminuídas. Como bónus podes usar o telemóvel livremente enquanto é carregado, desde que fiques dentro do alcance do cabo. E, claro, estando de pernas para o ar ou a baloiçar, o telemóvel carrega sempre da mesma maneira.
Quais são então as vantagens do carregamento sem fios? É fixe? Se tu achares que sim então essa é a única vantagem, sim. Uma de aparência superficial. Porque de resto, tudo é pior em todas as medidas possíveis. E por ser preciso criar eletrónica extra para o telemóvel carregar sem fios, até mais caro é usar essa tecnologia. Não havia um único problema com carregadores com fios que esta tecnologia resolveu. Cada telemóvel tinha o seu carregador diferente? Com a tecnologia sem fios, também são todos diferentes com cargas máximas diferentes. Estavas preso à tomada? Agora estás preso a uma muito restrita área numa superfície. A tua bateria aquecia com o carregamento com fio normal? Agora aquece mais.
Porquê então está esta tecnologia a ser considerada? Se em tudo ela é pior á atual e não existem previsões de melhorias que a permitam superar o carregamento com fio, porque é que ela nos é vendida?
Porque sim. Porque é novo. Porque é diferente. Porque é mais um ponto na brochura. Porque agora o teu telemóvel pode fazer aquela uma coisa que quase de certeza nunca vais usar, mas ficas mais calmo ao saber que no futuro poderás precisar dela. Talvez. Provavelmente não. E porque assim as marcas podem criar um sentido falso de aparente evolução e melhoria. Porque ao veres novas tecnologias a serem criadas, por mais inúteis que sejam, ficas com a impressão que esta marca é melhor porque “inova” mais e tem mais opções e “coisas”.
E com as vendas de telemóveis a estagnar no mundo ocidental, para tentar cativar mais compras, qualquer diferenciação serve.
O problema não é a entrega de energia, são as baterias
As baterias duram pouco tempo, não por causa do carregador, mas porque já atingiram os seus limites de capacidade. A densidade energética máxima que podemos retirar das atuais baterias de lítio já foi atingida. Os carregadores que carregam a bateria rapidamente também já não têm muito por onde ir pois as baterias pouco mais aguentam. E estes carregamentos muito intensivos, muito rápidos, aceleram o degradar da bateria.
Pior é como os sistemas operativos móveis estão desenhados e como nós os usamos. A rede 4G está ligada por defeito, a que mais energia consome. Com o GPS a funcionar no fundo, regularmente a pedir a localização, muita energia é gasta. Aplicações pesadas como as das redes sociais usam muitos recursos e, como tal, consomem muita energia. Ecrãs com muito altas resoluções são agora a norma, que consomem muita energia. Tudo para alimentar uma resolução tão alta cujos benefícios não são visíveis pelo olho humano. Piorando a situação, a obsessão por telemóveis finos implica pequenas baterias de baixa capacidade, reduzindo ainda mais a sua duração.
Se as baterias atuais já são o calcanhar de Aquiles dos telemóveis (e de tudo que é eletrónico e móvel), os nossos pesados e desmedidos usos delas apenas pioram a situação. Sistemas operativos têm que ser mais leves, com menos temas e máscaras, menos animações e redundâncias para poupar energia. Nós temos que também os usar menos e melhor, desinstalando as aplicações que não usamos e reduzirmos o uso das que precisamos. E como as aplicações de redes sociais são as mais pesadas, o melhor é usar os sites móveis, sempre que disponíveis.
Considerem agora a duração das baterias dos telemóveis de hoje e de há 5 anos atrás. Pouco melhoraram. Continuam a durar um dia, dois talvez. Isto porque, apesar de muitos aspetos do telemóvel serem agora mais eficientes, a quantidade bruta de processos extra amontoados em cima da bateria nunca parou de crescer. Por estas razões, o resultado final sempre foi nulo. As desvantagens sempre cancelaram as vantagens e desse ponto de vista, os nossos telemóveis pouco melhoraram.
Não é preciso um modelo novo a cada 1 ano, podemos esperar 2 ou 3, não temos pressa
Ano após ano, uma nova pseudo-função é criada, sem algum benefício aparente. Apesar de carregadores indutivos parecerem inofensivos, eles representam o pior de Silicon Valley: problemas que não existem são inventados e más e complexas soluções são vendidas a quem menos sabe. Entretanto, os verdadeiros problemas persistem.
Estas pseudo-inovações são apenas isso, falsas, não existentes. É por isso que estas empresas, estas ações, são tão horríveis e insultuosas. Porque constantemente ignoram enormes e berrantes falhas em favor de brilhantes distrações.
Esta prática agravou-se com o ciclo de lançamentos anuais começado pelo iPhone, onde todos os anos, no mesmo mês, um novo telemóvel é lançado. Este ciclo anual coloca pressão sobre as empresas para criarem diferenciações, ano após ano, para justificar vender novos telemóveis. Senão o fizerem, e lançarem apenas versões iterativas com a ocasional inovação, menos pessoas compram telemóveis e menos lucros são gerados.
Esperar que empresas possam gerar inovação valiosa a cada ano é risório. Simplesmente não pode acontecer. Para então tornar os seus lançamentos anuais mais atraentes, “invenções” de uso questionável são criadas para que, num mar de indistintos telemóveis, eles se possam destacar. “invenções” essas que podem não ter nenhuma continuidade em mais nenhum telemóvel da marca porque não vendeu o suficiente ou não gerou o alarido necessário nas redes sociais. Poderiam estas marcas ter esperado mais tempo e amadurecido as suas novas funcionalidades? Podiam, mas os lucros seriam menores porque passaria um ano sem um novo produto para vender.
Ninguém quer comprar um telemóvel que faça duas coisas bem durante muito tempo. Todos acabam por comprar aquele que faz muitas coisas mais ou menos bem, mas que dura apenas uns bons 3 anos. Com sorte. Esta é a psicologia do jogo: estar sempre a lançar produtos com características diferenciadoras, por mais inúteis que sejam, sem reparar os problemas fundamentais. Ao invés, o que é dito é que esta versão é ainda melhor que a anterior, cujos problemas ainda se mantêm, mas mais escondidos pois sobrecarregaram o resto com esteroides.
A visão a curto prazo destas empresas custa-nos a longo prazo
Empresas tecnológicas têm que não se focar exclusivamente nos lucros, lançando telemóveis novos a cada ano, completamente ignorando os já lançados. Considerem o exemplo da Samsung: todos os anos lança novos telemóveis que, com sorte, recebem uma atualização de software, oficialmente. Estes são telemóveis topos de gama, os melhores dos melhores, os mais capazes, os mais caros. Mas, aparentemente, só conseguem ser atualizados uma vez. Depois tens que comprar um novo se quiseres software mais recente e seguro. A Apple foi um passo mais à frente e deliberadamente abrandou telemóveis antigos sem dizer nada a ninguém. E, no entanto, em nenhum ponto nas histórias destas empresas foi anunciado um aumento da longevidade dos seus telemóveis. Passados os primeiros 2 bons anos de vida, a obsolescência planeada entra em jogo e és influenciado a comprar um novo. Esta atitude completamente descarada é imensamente reprovável.
Pior ainda, elas não reinvestem as suas gigantescas receitas em desenvolvimento de novas tecnologias. Não. Estas empresas estão maioritariamente sentadas em cima do dinheiro sem fazerem nada arriscado com ele (algo que é um problema preocupante para a economia mundial, mas isso já é outra discussão). Das duas uma: ou compram uma empresa nova com tecnologia desejável (tecnologia essa que quase sempre começou em laboratórios universitários) ou então simplesmente devolvem o dinheiro aos acionistas. Por esta muito simples razão, verdadeira competição não existe. Ninguém compete, ninguém investe, ninguém assume riscos.
Nesse caso, estando estas empresas tão focadas nos seus lucros, os governos têm apenas uma solução: drasticamente aumentar os impostos cobrados para que eles possam ser redirecionados para verdadeiros centros de inovação a longo prazo como as universidades públicas. Infelizmente, na realidade, o que acontece é que empresas não pagam os impostos em pleno e quando fazem donativos a universidades, é para terem alunos a trabalharem para si. Ou pior, para comprar opinião pública favorável, como a Google faz.
Manutenção, melhoria e inovação
Se repararem, a tendência é sempre criar a mais sensual e atraente tecnologia. É mais apelativo criar a nova rede 5G do que reparar a rede 4G para ela servir corretamente toda a população. É mais sensual (lucrativo) criar a nova tecnologia de feixes usado na rede 5G do que melhorar (lento e caro) a distribuição de espetro na rede 4G para melhor servir áreas com uma grande densidade populacional (estádios, por exemplo). Contudo, se ninguém reparar este problema espetral, não interessa a tecnologia usada, porque o problema raiz persistirá. Nos telemóveis, a situação é similar: nas baterias, nos ecrãs, nos sistemas operativos, etc.
Qual é, então, a verdadeira inovação que falta? Bom, no caso dos telemóveis, as melhores inovações ainda por desenvolver e implementar são de visibilidade baixa, mas impacto máximo. Novas tecnologias de bateria podem ser desenvolvidas, muito menos explosivas e mais estáveis, mais rápidas de carregar e com maior densidade energética. Novas técnicas de construção podem ser criadas onde as placas de circuitos são mais concentradas num menor número de chips, para baixar consumos e poupar espaço para outros componentes (como câmaras maiores). Continuando nas técnicas de produção, como a reciclagem de produtos eletrónicos ainda é muito rudimentar, novos designs de construção podem ser criados para que, no final de vida, mais matéria prima possa ser reaproveitada. Novos maiores sensores fotográficos podem ser criados, capazes de absorverem mais luz e tirar melhores fotos. Verdadeiros sistemas de lentes e obturadores variáveis podem ser miniaturizados para telemóveis. Ecrãs podem ser redesenhados e melhorados para que possam ser mais legíveis á luz solar, mantendo a fidelidade das suas cores.
Saindo do campo da inovação e entrando na manutenção e iteração do que já existe, empresas também têm várias avenidas a percorrer. Mais tempo pode existir entre lançamentos para que novas funções sejam melhor testadas e implementadas. Já que tantas inúmeras populações hoje em dia gastam tanto dinheiro em capas, porque não voltar ao passado e reintroduzir capas amovíveis, onde os telemóveis deixam de ser vendidos com caros e quebradiços materiais que nunca ninguém vê, e passam a ser desenhados com personalização em mente. Em vez de usarem super frágeis materiais nas suas construções, podem voltar ao uso de plásticos ou outros novos materiais (borrachas, tecidos, madeiras, cortiça) para permitirem uma mais personalizada utilização do telemóvel. Empresas podem também passar a desenhar os seus telemóveis com reparação e fim de vida em mente, para que eles não acabem a poluir o ambiente. Sistemas operativos podem ser melhorados para que sejam mais fáceis e intuitivos de navegar, sem tantas opções que sobrecarregam o utilizador. Os sistemas operativos podem ser melhor integrados com o hardware para que haja uma muito maior performance com menores consumos energéticos. E como todos os telemóveis são carregados de maneira similar, tecnologias de carregamento podem ser abertas e partilhadas para que hajam apenas 2 ou 3 carregadores diferentes para todos os telemóveis disponíveis. Assim evita-se ter vários carregadores quase iguais para telemóveis diferentes, reduzindo o lixo gerado e criando a possibilidade de vender telemóveis sem o carregador na caixa, porque já se tem um universal em casa.
Isto porque, como podem ver, muitas das melhores e mais interessantes alterações até nem são inovações, são manutenções e melhorias daquilo que é a base da tecnologia. No caso das baterias, novas tecnologias vão demorar ainda vários anos a chegar ao mercado. Ainda estão todas em desenvolvimento em laboratórios. Por enquanto, a melhor solução é mesmo reduzir a entropia de computação que são os atuais sistemas operativos móveis, melhorar e aprimorar os rádios usados para que gastem menos energia e ensinar as pessoas a melhor gerirem o seu uso do telemóvel. Todas estas soluções são as melhores, mas mais difíceis de vender. São as melhorias passivas, aquelas que saem da nossa frente, para que possamos tirar rapidamente aquilo que queremos do telemóvel. Porque se “inovação” é empilhada em cima de uma plataforma não sustentável, eventualmente, ela cai.
A nossa tecnologia não deve durar apenas dois anos. Quando a usamos, esse uso deve ser eficiente e não uma perda de tempo. Não devemos comprar algo com base na brochura e devemos pensar a longo prazo sobre o uso que vamos tirar do que precisamos. Inovações da treta são usadas para nos distrair. Não comprem o que não precisam e usem o que compram por mais tempo possível.