Quando compramos um carro, não é esperado termos de comprar os airbags à parte. Ou os vidros. É esperado que o carro venha completamente equipado para que possa ser conduzido de imediato à saída do stand. Com rodas e tudo. Mas, estranhamente, quando compramos um telemóvel hoje em dia, temos que logo comprar um amontoado de acessórios se o queremos usar “normalmente”.
Por causa do seu horrível design.
Devido a muito boa publicidade, distorção da realidade e falta de intrepidez por parte dos consumidores, as empresas de telemóveis têm vindo a nos vender cada vez mais frágeis e fracos telemóveis que, com a mais pequena queda, se desfazem em inúmeras inúteis peças. Não só, mas o seu design é cada vez mais hostil ao utilizador.
No entanto, nós, de bom grado, continuamos a os comprar. E recompramos quando eles se partem. E recompramos o mesmo de novo. E de novo…
Bom design é a parceria entre forma e função
Hoje em dia, os telemóveis são exclusivamente desenhados com a forma em mente. São desenhados para serem bonitos, mas frágeis, com belos materiais, mas escorregadios, com elegantes formas, mas abismalmente débeis. São telemóveis que são desenhados primeiramente para serem vistos e não usados.
Consideremos a extinção das molduras dos ecrãs. É uma ação interpretada pela imprensa de tecnologia como incrível, bonita, uma eliminação de barreiras e maximização de espaço útil. Simplesmente bonito de se ver. Uma tendência inevitável. Mas que necessita a compra de uma capa. É bonito, mas para esconder.
Consideremos o quão ignóbil esta decisão é.
Os telemóveis têm cada vez mais finos ecrãs de vidro. A tecnologia desse vidro pode ter vindo a melhorar e, cada vez mais, esses vidros serem mais resistentes. Mas, com uma condição: que a espessura desse vidro se mantenha. Se é aumentada a resistência do vidro mas, ao mesmo tempo, reduzida a sua espessura, o ganho final é nulo. E isto resulta em telemóveis cujo o elemento mais importante, o ecrã, é o mais frágil.
Se, depois de continuamente fragilizarmos o ecrã, de seguida, o colocamos extremamente próximo do limite do telemóvel, exposto ao ambiente, esse ecrã, vai se desfazer muito facilmente com o mínimo contacto com o chão. E, tendo em conta que o telemóvel é para ser usado na mão, em andamento, pelas nossas vidas fora, é muito provável que o deixemos cair uma vez ou outra. É uma condição que faz parte desse uso.
Como justificamos tal ignorante decisão? De fragilizar o ecrã e de lhe remover a única proteção contra inevitáveis quedas?
Dizemos que é bonito! Ah! Desejável! Uh!
E depois de gastar centenas de euros num importante, útil, lindo e extremamente frágil telemóvel, cobrirmo-lo numa horrível, feia, fraca, barata capa de plástico de 5€. E este exemplo é perfeito para descrever a atual, ignorante tendência de design: tão bonito, tão frágil, tão mau.
Não deveríamos ter que comprar acessórios só para podermos usar o nosso telemóvel, normalmente, no nosso dia-a-dia. Isso devia estar assegurado, por defeito, mal o tiremos da caixa.
As soluções são facílimas: incluir vidros mais espessos nos telemóveis, criar molduras em volta desses vidros feitas de materiais mais resistentes que amparem as quedas ou incluir uma tira para o segurar na mão (similar ao que acontece com as câmaras fotográficas).

Por mais 60€ vendemos-te esta capa e adaptador USB-C para 3.5mm, e por 100€ menos podes comprar este outro telemóvel com isso tudo já incluído
Outra aberrantemente hostil decisão de design é a omissão da porta 3.5mm. Esta é capaz de ser a mais desonesta, hostil, desinibida capitalista decisão dos últimos tempos. Um muito frágil argumento usado pelas empresas de telemóveis é que a porta 3.5mm é grande, ocupa espaço, e impede a inovação.
Contra-argumentando, a porta de 3.5mm é fina e pequena o suficiente para não ocupar muito espaço ou impedir a redução de espessura do telemóvel visto que, a porta USB-C (ou a própria bateria) pouco mais fina é.
A principal razão apontada para esta omissão é uma capitalista: ao remover a porta podem forçar a compra de acessórios novos.
No caso da Apple, os primeiros a tomarem esta decisão, eles capitalizaram isso na já familiar maneira: o uso excessivo de advérbios e adjetivos, na publicidade. Mas também através do programa de compatibilidade de acessórios que, se alguma empresa quiser fazer parte dele, tem que pagar uma pequena percentagem dos seus lucros à Apple (o programa MFi, aquele logótipo no fundo das caixas que diz que o acessório é compatível com os iProdutos).
Imediatamente de seguida, todas as outras marcas, sedentas de copiar a Apple, fazem o mesmo e também removem as portas 3.5mm dos seus telemóveis (salvo raras exceções).
Queres ouvir música? Ou compras auscultadores novos, caros, ou compras um conversor novo, caro. Queres carregar o telemóvel e ouvir música ao mesmo tempo? Tens que ou comprar auscultadores sem fios, caros e pouco fiáveis, ou comprar um conversor novo, caro.
Novamente, os mais básicos princípios de design são completamente ignorados e desconsiderados em favor de mais lucros.
Coragem, diz a Apple.
Perde a tua carteira, perde o ambiente, perdemos todos
Como se não bastasse, a cereja no topo do bolo são os designs quase impossíveis de reparar. Hoje em dia, já quase ninguém consegue reparar por si próprio o seu telemóvel. Tem que ir a uma loja para o fazer. E mesmo aí, muitas dificuldades impedem o mais básico dos procedimentos. Os parafusos têm formas estranhas e são mudados de um modelo para o outro, muitas vezes nem parafusos usam e recorrem a colas muito difíceis de remover. Os telemóveis têm também formas fechadas e complexas, convolutas e difíceis de abrir.
E como não os podes reparar, as marcas de bom grado te estimulam a comprar um novo.
A construção de um telemóvel tem um enorme impacto no ambiente e nas pessoas que os produzem. Regularmente são produzidos relatórios sobre as más condições laborais e exploratórias nas fábricas que produzem estes telemóveis. Elas têm condições higiénicas baixíssimas, horários abusivos e um pagamento atrofiado. Não só, mas o impacto ambiental da extração dos minérios usados nos telemóveis é, também, muitas vezes ignorado. E quando os telemóveis são vendidos e publicitados para durarem apenas uns míseros anos, os impactos ambientais tornam-se insuportáveis.
Estas marcas são proficientes em lavar a cara pública, mantendo uma pútrida face por de trás, que gera dinheiro com base na exploração.
E este artigo toca apenas no miserável mau design físico do telemóvel. Sobre o software, é toda uma outra tempestade de problemas.