Hoje, 55% da população mundial vive em cidades e, em 2050, estima-se que esse número suba para 68%. A maior parte deste aumento vai ocorrer fora da Europa visto que, aqui, a maioria das pessoas já vivem em cidades.
Este movimento para as cidades é necessário para o crescimento de um país embora não seja sinónimo de obrigatoriedade. Aliás, nem é aconselhado. Sustentavelmente, existe uma boa distribuição entre cidades e subúrbios.
Mas, mesmo que as nossas cidades não aumentem muito, mudanças são necessárias pois, se já hoje temos inúmeros problemas devido às suas más gestões, a longo prazo, esses problemas tornar-se-ão ingeríveis.
Os níveis de poluição são perigosíssimos, o trânsito é incontornável, o isolamento das populações preocupante, os custos de vida altos e a qualidade baixa.
Mas, é de sublinhar que, todas estas más características atualmente presentes nas nossas cidades não são inevitáveis. Estas más características apenas existem porque nós não criamos boas cidades, e desleixamo-nos.
Mau planeamento urbano vai, inevitavelmente, levar a uma muito má vivência na cidade, para todos envolvidos. Mas, as cidades podem muito facilmente melhorar. Idealmente, as cidades são construídas por nós para nós. Mas na realidade, são construídas para maximizar a economia e não para os cidadãos viverem vidas plenas. A esmagadora maioria das cidades são ordenadas em torno dos carros, das estradas, gerando um ambiente menos favorável ao ser humano.
Mas, recentemente, vozes contra esta ordem têm aumentado e, cada vez mais, temos estudos e razões fortes o suficiente para reverter toda a cidade de volta para os seus habitantes.

A César o que é de César
Incontornavelmente, a primeira mudança a executar é a de mudar a perspetiva mais fundamental de uma cidade: temos que as desenhar em torno da qualidade de vida das pessoas e não em torno da maximização de produtividade.
Estradas vão ter que ser reconvertidas e redesenhadas, não para remover todos os carros, mas para os recondicionar a uma posição mais secundária. Estradas de várias faixas e estacionamentos devem ser reconvertidas para retornar algum do espaço aos peões, aumentando os passeios, os espaços verdes e os locais de descanso (bancos).
Mas não basta simplesmente cortar o número de faixas para resolver o problema. O próprio trânsito e a sua direção e orientação têm que ser repensados para evitar congestionamentos. As cidades têm que considerar a organização das zonas residenciais com as comerciais e industriais e as equilibrar adequadamente.
As zonas verdes têm que, também, ser de acordo com o ambiente local e as necessidades das populações em redor. Zonas residenciais já têm mais áreas verdes dentro das casas e não precisam de vegetação em todos os cantos da rua, mas sim parques onde possam passear. Em zonas comerciais, mais densas, a criação de parques é mais difícil por isso vegetação espalhada ao longo de toda a zona pode ser mais adequado.
Desta maneira reduz-se em muito o nível de poluição gerado pelos automóveis, não só por serem menos usados em favor de andar a pé, de bicicleta ou de transportes públicos, mas também porque, com o aumento de espaços verdes, mais facilmente o ar é limpo e filtrado por vias naturais. Esta inclusão de árvores e arbustos tem outra vantagem: uma redução natural da temperatura da cidade. Desta maneira, não é preciso gastar tanta energia na climatização de edifícios visto o ar que os envolve estar mais frio.
Outro muito importante aspeto a não ignorar é a interatividade da pessoa com a cidade. Centros de desporto (campos de futebol, basquetebol, ténis, parques para skates ou bicicletas, piscinas) devem ser implementados perto dos focos residenciais para estimular interações sociais e boa saúde física.
Ainda mais, instalações artísticas também podem aumentar em muito a sua presença pelas cidades, sob a forma de estátuas, teatros, concertos, pinturas ou azulejos. Fachadas de edifícios podem ser pintadas com grandes murais, murais esses escolhidos através de uma votação pelas pessoas da zona em questão.
Este aumento de interatividade de uma população com a sua cidade, associado a um maior andar a pé, leva a que as pessoas se sintam mais pertencentes e envolvidas. Esta direta interatividade com a cidade, tanto no normal dia a dia como em projetos artísticos (ou outros) melhora a saúde social de todos envolvidos.
Não só, existe uma maior exposição ao sol e aos elementos, o que leva a uma maior saúde física e mental pois o andar de carro, fechado, de ponto a ponto, sem interação com o clima ou outros seres humanos é desencorajado em favor de andar a pé.
E mais, uma outra vantagem de cidades mais pedonais é o aumento do comércio local, distribuído e descentralizado, onde pequenas e médias empresas mais facilmente surgem e se mantêm saudáveis pois têm muitas mais pessoas a passarem à sua frente, uma exposição muito maior.

Se cortamos estradas, temos que melhorar os transportes públicos (e ciclovias)
Se nós reduzirmos o impacto das estradas nas nossas cidades, vamos ter que arranjar outras maneiras de eficazmente transportarmos toda a população. Aqui entram os transportes públicos e as ciclovias.
Em concordância com a reordenação das estradas, a transportação também tem que mudar. Para isso, uma coordenação entre diferentes departamentos municipais e governamentais deve ocorrer para que esta mudança não negativamente impacte a mobilidade da população. Sim, vamos andar mais a pé, mas não vamos andar quilómetros para atravessar a cidade. Como o uso regular do carro privado vai ter que diminuir, opostamente, o uso de transportes públicos, partilhados e bicicletas vai ter que aumentar.
Recorrendo de novo à interatividade de uma população com a sua cidade, dados devem ser recolhidos de todos os principais movimentos que as pessoas fazem (casa-trabalho, trabalho-ginásio, casa-piscina, etc.) e, com recurso a uma inteligência artificial, desenhar percursos e horários dos transportes públicos de forma a maximizar a eficiência de toda a transportação para toda a população. De um ponto de vista ideal, cerca de 70 a 90% de todos os movimentos que as pessoas fazem no seu dia-a-dia devem ser cobertos por transportes públicos.
Em sintonia, o mesmo deve ser feito para as bicicletas onde as cidades são desenhadas de maneira a que esta alternativa mais ecológica e saudável possa ser usada pela maior parte da população.
Usados em conjunto, os transportes públicos e as ciclovias, quando corretamente implementados, devem cobrir a esmagadora maioria das necessidades de movimentação de toda a população. Não só, devem-se complementar, permitindo, por exemplo usar bicicletas (colapsáveis) dentro de autocarros e comboios.
Naturalmente, para as esporádicas situações não cobertas pelos transportes públicos, o carro privado pode ser usado. Para esta condição, continuando com a melhoria da cidade para os seus habitantes, o estacionamento ao lado da estrada pública deve ser grátis para todos.
Ao não estarmos tanto tempo parados no trânsito, fechados nos nossos carros, a poluir e a aumentar os nossos níveis de stress, podemos mais descansadamente fazer essas viagens de autocarro, comboio ou bicicleta. Qualquer uma destas atividades é mais segura que o automóvel, com taxas de mortalidade mais baixas. E, durante uma viagem nos transportes públicos, não tendo que prestar atenção à estrada, mais tempo livre abre-se, seja ele para descansar ou ler alguma publicação.

Os impactos dos espaços verdes no ambiente e em nós
Assumindo uma equilibrada distribuição da flora, o ar que nós respiramos é filtrado naturalmente, reduzindo a poluição. Como os problemas de saúde respiratórios são criados ou agravados por esta poluição (e têm um custo enorme nos cofres do estado), considerar árvores como um benefício para a saúde humana é muito importante.
Logo a seguir vem a saúde mental que melhora bastante devido a níveis de stress reduzidos, patrocinados pela calma das árvores, pela sua sombra, pela interação com o sol e ares mais limpos. Cidades menos caóticas e berrantes devido a menos carros e as suas buzinas também é positivo para a saúde mental.
Para além dos benefícios que nos trazem à saúde, os espaços verdes espalhados pelas cidades ajudam em muito na biosfera e ecossistema da área e espaços em redor. Ao dar um lugar para a natureza expandir e viver confortavelmente, com maiores e mais diversas áreas verdes, os pequenos animais são os que mais beneficiam: insetos e pássaros.
Estes dois grupos de animais são dos mais importantes para a polinização de plantas e, são também, os mais afetados pela poluição nas cidades. Ao reduzir o número de carros na estrada, já se limita em muito a poluição aérea que muito afeta estes animais. De momento, enfrentamos crises no que toca aos números populacionais de todos os tipos de insetos, abelhas incluídas (os pesticidas parecem ser os maiores culpados). Sem estes animais, a polinização natural reduz-se drasticamente e a saúde da flora do ecossistema local decresce significativamente.
Outro benefício de espaços veres em cidades é a ajuda contra inundações. Cobertas de cimento e pedra, as cidades modernas não estão muito bem equipadas para lidar com momentâneas grandes quantidades de água. Nestas condições, a água simplesmente fica em cima da superfície, não escoando, pois, o cimento não o permite. Como os sistemas de saneamento não chegam e entopem, entra em jogo o escoador natural: a terra. Com maiores áreas verdes espalhadas pelas cidades, quando a chuva cair, muita é simplesmente escoada para o solo, evitando o já stressado saneamento. Desta maneira, o impacto de chuvas torrenciais é dramaticamente diminuído.

Com maior interação, aumenta o combate à solidão 💪
Atualmente, as pessoas mais em risco de solidão são os mais jovens e os mais velhos. A solidão, não parecendo, é um problema de saúde mental e social em constante crescimento devido à má organização das cidades e sociedades. Mas usando todas as técnicas acima descritas, desde mais espaços verdes a mais campos de desporto, maior influência do andar a pé e de transportes públicos e de uma maior participação na sociedade local, podemos indiretamente, em muito, atacar o problema da solidão e do isolamento.
Todas as alterações acima descritas implicam uma maior interação com as pessoas ao nosso lado, uma maior ligação ao mundo que nos rodeia e, com este bom equilíbrio, podemos em muito melhorar a saúde mental de uma pessoa e toda uma sociedade. Não é o suficiente, claro, pois muitas outras variáveis existem que levam a este problema.
Mas com esta forte, robusta e plural base estável para toda uma população, as melhorias passivas são inevitáveis e imensamente valiosas.

Obviamente, estas alterações são para todos e não apenas para alguns
Incontornavelmente, devido à inevitável propagação das más consequências da desigualdade pelas sociedades, todas estas alterações acima descritas têm que ser aplicadas a todos os escalões da sociedade.
Quando criamos ciclovias, não o devemos fazer só no centro da cidade para ser bonito para os turistas ou apenas perto das zonas residenciais mais ricas. Não devemos criar espaços verdes e organizar estradas apenas para as áreas mais seguras da cidade. Não devemos dar parques de desporto públicos aqueles que menos precisam deles. E, acima de tudo, não devemos negar transportes públicos aqueles que mais nenhum meio de transportação têm.
São as zonas mais pobres que mais precisam e beneficiam destas mudanças. São estas as zonas mais negligenciadas, com mais problemas de saúde física, emocional e social. Não só, mas, devido ao estado social, ao não prevenirmos estes problemas no início, estamos a gastar enormes quantidades de dinheiro a os placar ao longo da vida destas populações.
Não só pelo dinheiro, mas também pelos problemas causados ao todo da sociedade por ela estar desigual. Descontentamento e agitações podem levar a piores, explosivos resultados.
Novamente, repetindo, para uma cidade crescer sustentavelmente a longo prazo, toda ela tem que estar num equilibrado campo, onde todas as variáveis passivas das vidas dos seus habitantes estão ao mesmo nível.

Para vermos estas mudanças, temos que votar em quem as execute
Estas mudanças são aplicadas às cidades. Cidades essas geridas por municípios. Municípios esses controlados pelo governo central. E quem elege os corpos governamentais somos nós.
Única e exclusivamente, recai sobre nós a responsabilidade de elegermos políticos capazes de atuar sobre estas urgentes necessidades de melhoria de qualidade de vida de toda a população.
Estas são decisões a longo prazo, a serem estudadas e consideradas por especialistas e pela população. Estruturas democráticas onde a população vota no seu futuro são necessárias para que todos possamos remar no mesmo sentido. Transparência em todos processos que nos afetam é imperativa. E só conseguimos isso através de uma verdadeira democratização do voto, começando pelas alterações à nossa frente.
Acima de tudo, temos que todos lutar pelo que é melhor para todos.
Ler mais: A poluição luminosa e corrupção nas câmaras municipais Belgas: Belgium’s Lavish Energy Use Sheds Light on More Than Just Its Roads, The New York Times