Um estudo de 2017 determinou o impacto económico de remover as capitais dos países europeus. No caso da Grécia, devido à sua enorme concentração de população e poder em Atenas, perderiam 19.8% do PIB por habitante. No outro extremo, se Berlim fosse removida da Alemanha, o PIB por habitante do país aumentaria 0.2% (por causa do cenário pós-segunda guerra mundial). Portugal sem Lisboa perderia 12.8%.
Nenhum destes exemplos é sustentável. Nenhum país deve estar dependente de uma singular cidade ou ter uma capital coberta em dívidas. Mas é de sublinhar e enfatizar que descentralização não é exclusiva à economia. Essa visão miópica apenas trai o desenvolvimento do país como um uniforme todo.
Descentralizar não é apenas sobre dinheiro
Sim, as diferenças económicas entre as várias cidades e a capital são notáveis, sendo que a maior parte do investimento e talento é concentrado em Lisboa ou, logo a seguir, Porto. As críticas vindas do interior (e de outras cidades) são inúmeras sobre este assunto: os governos prometem todos mais atenção ao interior e nunca a dão. Mas se quisermos genuinamente descentralizar um país para que o seu desenvolvimento ocorra a iguais e sustentáveis níveis por toda a sua geografia, temos que ver um país como sendo mais do que o seu produto interno bruto.
As consequências negativas de excesso de concentração de poder e pessoas na capital são inúmeras. Como diferentes cidades têm diferentes características, costumes, indústrias, vivências e hábitos, também o governo as deve ter. Mas se ele se concentrar numa área com base num muito homogéneo grupo de pessoas que representam apenas uma pequena fatia do país, as suas decisões nunca conseguirão ser minimamente representativas do eleitorado. Os governos tornam-se míopes e não estão a par do estado do país. Não só, estando também na capital as sedes de todas as grandes empresas, interage-se mais com este escalão de topo do que com a base laboral. Consequentemente, a insatisfação da população com o governo aumenta, criando um sentimento de letargia e apatia, de que “os de lá da capital não prestam atenção a nós”.
Igualmente mau é os media também se concentrarem em Lisboa, maioritariamente cobrindo os assuntos da capital ou do futebol, ignorando o resto do país. As suas coberturas são altamente influenciadas pelas suas muito estreitas vivências e, pior, fazem-no mal, sendo muito pouco combativos.
Sofre o país, sofre a capital
Mas os problemas de concentrar o país na capital não afetam apenas as restantes cidades. A própria capital também sofre. Hoje, Lisboa tem rendas o dobro mais caras do que o resto do país e acabou de vender a sua mais cara casa por 12.5 milhões de euros.
Acumulando estes valores aos outros elevados custos de vida e concentração de poder económico, viver em Lisboa torna-se muito difícil para os atuais residentes. Regularmente, muitos são expulsos das suas casas por não conseguirem pagar as rendas em crescimento, casas essas onde vivem há décadas. E se não são expulsos, são constantemente pressionados a vender para criar novos empreendimentos. O trânsito também se torna incontornável, a poluição aumenta e o stress da população entra em níveis preocupantes.
Ao haver tanto foco na capital, naturalmente, os focos estrangeiros também são lá. Isto leva a que a maior parte dos imigrantes se instalem na capital. Esta tendência, associada aos maus serviços sociais de integração, leva ao surgimento e agravamento de tensões raciais e xenófobas.
Mas as tensões não surgem só com imigrantes. Com 9 turistas por cada residente, um excessivo foco de turismo na capital leva a um lavar do seu carácter, roubando-a da sua essência, aquilo que inicialmente atrai os turistas. Já muitas cidades pelo mundo fora estão a passar por isto e os problemas gerados estão a criar divisões que podem ter sérias negativas consequências.
Espalhar a governação pelo país
Pela óbvia ignorante cegueira que advém desta centralização, distribuir o governo pelo país é extremamente importante, tanto para o seu bem-estar coletivo como para a sua sustentabilidade futura. Sim, o governo central (ministérios e presidência) pode ficar em Lisboa, mas o resto não precisa.
Algumas mudanças são óbvias. Em Lisboa encontram-se maioritariamente serviços e sedes e não as indústrias em si. Por esta razão, Direções Gerais e Institutos podem e devem ser colocados em cidades com maiores representações das indústrias em causa, facilitando a comunicação. Ao colocar estas instituições mais perto daqueles que elas representam e/ou regulam, melhor podem fazer o seu trabalho e contribuir para o desenvolvimento da região em questão. Desta maneira reduz-se o uso de intermediários que podem distorcer a mensagem, dando uma maior oportunidade à base laboral para entrar em contacto direto com o governo.
A Direção Geral de Alimentos e Veterinária pode-se mudar para Bragança ou Beja, o INFARMED e a Direção Geral de Saúde podem-se mudar para o Porto, a Direção Geral do Ensino Superior pode ser mudada para Coimbra, a Direção Geral de Energia e Geologia pode-se mudar para o Algarve, etc.
Outras instituições como o IMTT, por outro lado, podem ir para qualquer cidade pois todas possuem veículos e estradas. E apesar de não podermos forçar empresas privadas a moverem-se, podemos criar condições favoráveis à abertura de novas sucursais ou então estimular novas empresas a crescerem.
Milhares de trabalhadores serão transferidos, reduzindo as rendas na capital, dando uma maior margem de manobra para quem lá vive. As cidades recetoras podem usar as novas fontes de dinheiro para melhorar as suas infraestruturas e investir no seu desenvolvimento. Ligações podem ser estabelecidas entre novas as agências e as universidades locais.
Este movimento de agências deve ser visto como uma partilha de conhecimento para estimular as regiões. Ao invés do talento fugir todo para a capital, sugando os melhores cérebros, pode-se desta maneira certificar que a distribuição pela geografia do país de pessoas com educação superior é mais uniforme e saudável.
E voltando à questão das tensões geradas por turismo excessivo, um país deve-se reconhecer pelo seu todo e estimular a sua exploração. Claro que não vamos construir um aeroporto perto de cada marco mas devemos reinvestir nas nossas infraestruturas ferroviárias para que turistas que visitem o país possam sem grandes atritos visitar todo o país e não apenas a capital. Tendo em conta como tensões muito agressivas (sociais ou ambientais) estão a surgir pelo mundo fora, este turismo distribuído é uma importante prevenção para evitar remédios futuros.
Dar poderes de gestão a municípios não significa descentralização
As vantagens de um governo distribuído e em contacto com o seu país são incontáveis. Esta descentralização torna o país mais nosso, mais ao nosso alcance pois mais facilmente as diferentes facetas da população entram em contacto com o governo e o influenciam.
Tensões xenófobas são placadas pois a imigração ocorrerá mais distributivamente pelo país. Nenhuma cidade irá provocar tensões excessivas nos recursos naturais locais para sustentar uma desadequada população. As rendas serão mais acessíveis aos habitantes de cada cidade. O turismo não vai desregular a identidade de uma cidade. As empresas podem mais facilmente contactar as agências reguladoras e estas agências podem melhor observar os impactos das suas ações.
E, da mesma maneira que os transportes públicos devem ser melhorados para que a mobilidade dos turistas seja maior, também devem ser melhores para que os trabalhadores destas recentemente realocadas agências possam se livremente movimentar entre regiões e a capital. Seria extremamente estúpido estar a descentralizar o governo para depois manter as agências isoladas nas suas respetivas regiões.
Mas, não se deve confundir uma verdadeira descentralização do país com a transferência forçada do INFARMED ou a transferência de competências para os municípios. Estas são medidas ou forçadas por questões políticas ou então de distribuição de poderes de gestão. Nenhuma representa a verdadeira mudança necessária para que o país seja mais eficientemente governado e distribuído.
Existe, no entanto, um problema com a descentralização de um país centralizado: a componente humana. Todas estas agências, institutos e direções gerais já têm centenas de trabalhadores encaminhados nas suas vidas, nas suas casas, nas suas famílias, nas suas relações. Mover estas agências implica mover todas estas vidas para outra cidade. Para se lidar com esta questão, ou os trabalhadores aceitam a movimentação ou novos terão que ser contratados na cidade destino. Caso a segunda opção seja a escolhida, milhares de pessoas podem, potencialmente, perder o seu emprego.
Para no futuro se evitar este problema, caso novas agências sejam criadas, a sua distribuição deve ser mais homogénea, pelo país, e não pela capital.