Estranhamente, no relatório de 2017 do Programa Nacional Para a Prevenção e Controlo do Tabagismo, na secção de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento, não existe nada sobre prevenção. A única possível forma de prevenção encontrada no documento foram as sessões de informação dos problemas do tabaco a cerca de 99 mil jovens com idades entre os 13 e os 17 anos. Todas as restantes medidas aplicam-se a quem já é fumador: mensagens e imagens nos maços, aumento de impostos, consultas e comparticipação de medicamentos de cessação tabágica.
Saber que o tabaco faz mal à saúde, já todos sabem, mas mesmo assim, ele continua a consumir enormes recursos no Serviço Nacional de Saúde. Que nós pagamos com os nossos impostos.
Os custos evitáveis e desnecessários nos nossos impostos
Uma morte a cada 50 minutos pode ser atribuída ao tabaco, os homens fumam agora um bocado menos mas as mulheres aumentaram o seu consumo, mais de um terço dos desempregados fumam e o grupo etário dos 25 aos 34 anos é o mais prevalente com 32% de fumadores.
Estas estatísticas empilham-se em cima do SNS e, naturalmente, as consequências afetam toda a população, não apenas os fumadores. Em 2007, um estudo apontou para um custo de cerca de 1400 milhões de euros em despesas relacionadas com o tabaco. E em 2017, o estado recebeu 1445 milhões de euros em impostos sobre o tabaco. Ora estes dois números parecem-se cancelar, mas existem ramificações não incluídas nestas observações.
Para começar, aqueles 1400 milhões de euros em despesas (medicamentos, tratamentos domiciliários, fumo em segunda mão, etc.) não incluem os 500 milhões diretamente (ambulatório, internamento) ligadas ao tabaco. Mas mesmo assim, esse custo de 1400 milhões é considerado ser menor do que realmente é.
Isto quer dizer que todos os problemas de saúde evitáveis gerados pelo tabaco estão a criar um enorme sério impacto nos recursos do SNS. Médicos e enfermeiros vêm o seu tempo retido a cuidar destes problemas de saúde, tempo esse que podia ser usado para melhor cuidarem de outros doentes com problemas que requerem mais atenção e delicadeza.
Agora considerem as filas de espera no hospital e como elas são influenciadas por estas doenças evitáveis. Dados concretos sobre este problema são difíceis de encontrar. Mas tendo em conta que 20% da população fuma e uma outra significativa parte é afetada pelo fumo em segunda mão, é com um certo alto grau de confiança que se pode afirmar que muitos dos atrasos em filas de espera são devidos a doenças evitáveis gerados pelo tabaco.
É o cidadão que paga os impostos, é o cidadão que não tem cuidado com a saúde, é toda a população que depois sofre.
O tabaco afeta principalmente os mais vulneráveis
Como podemos ver pelas estatísticas, os mais afetados pelo tabaco são os mais vulneráveis: jovens e desempregados. Com o constante aumento dos impostos sobre o tabaco, aqueles que menos dinheiro têm, são os que mais gastam em cigarros. Da mesma maneira que a lotaria é considerada um imposto sobre os pobres, pode-se usar a mesma analogia para os vícios e os mais vulneráveis.
Consideremos como os cigarros são interpretados: como um escape aos problemas das nossas vidas. São posicionados como aquele descanso que vamos buscar quando as coisas estão a piorar, quando o stress está a aumentar. Esta é, no entanto, uma mensagem errada, uma mentira. Naturalmente e como é óbvio, por definição, toda a gente passa por maus bocados. Mas, alguns têm melhores redes de segurança que outros. Isto leva a que os mais vulneráveis sejam mais facilmente apanhados pela mentira do alívio do cigarro.
Existem pressões sociais de grupo que levam jovens a começar a fumar. Existem casas com dinâmicas familiares destabilizadas que geram ambientes stressantes para as crianças, ambientes esses que as leva ao consumo de tabaco ou outras substâncias. No caso dos desempregados, com a constante barragem de notícias sobre a economia e as dificuldades monetárias, também é fácil cair no erro de fumar. Acoplado a esse desemprego estão também os níveis baixos de escolarização que também representam um maior consumo. Logo a seguir estão os divorciados(as), também muito vulneráveis a começarem a fumar. E não esquecer pessoas com doenças mentais, muitas vezes sem saberem que as têm, que, numa tentativa de acalmar as suas cabeças, “automedicam-se” com tabaco, drogas e outras substâncias.
Como é óbvio pelos grupos mais afetados, não basta apenas atacar o tabaco para o resolver. As questões sociais que levam a consumir tabaco são preocupantes e difíceis de resolver. Mas são, também, dos principais problemas que enfrentamos enquanto sociedade. Uma perspetiva diferente deve então ser considerada: em vez de apenas lidarmos diretamente com o tabaco, devemos também estabilizar a nossa sociedade para que previnamos este problema.
Como o tabaco vicia e como o podemos prevenir
Primeiro, devemos mudar como os cigarros são feitos. A planta do tabaco, por si só, já tem nicotina, sim. Mas os cigarros são injetados com uma pluralidade de outros químicos que aumentam o seu efeito viciante. Sabores e cheiros são também inseridos, em conjunto com outras substâncias para os cigarros serem o mais atraentes e suaves de fumar possível. E com cada vez mais potentes cigarros, mais o nosso corpo se habitua a eles e mais potentes subsequentes cigarros ele pede.
Mas pior é a incerteza da combinação destes aditivos e como são queimados. Muitos deles foram apenas estudados em comida, ou seja, onde não foram incendiados. A chama leva a que as propriedades do produto resultante sejam diferentes dos resultados obtidos em comida. Existe também a incógnita de como estes aditivos se comportam em conjunto. Ou seja, não só sabemos pouco sobre como eles se comportam quando queimados, mas ainda menos sabemos sobre como eles se comportam quando usados em conjunto e queimados. Mas analisando o fumo do tabaco e as milhares de substâncias presentes nele, podemos observar que 250 são prejudiciais e 69 causam cancro.
Uma possível solução para este problema é a gradual redução de todos estes químicos artificiais no tabaco para toda a população do país, ao mesmo tempo. Leis podem ser criadas que ditam que todos os cigarros vendidos no país têm que ter os seus aditivos químicos gradualmente reduzidos a cada mês até atingirem níveis nulos. Com esta redução, no final de vários meses, os cigarros vão ser mais difíceis de fumar pois muitos destes químicos suavizam o fumo e melhoram a experiência, e, não só, deixam de ser tão viciantes. Assim, as pessoas vão-se sentir menos tentadas a experimentar ou continuar a fumar.
Mas, mesmo que os cigarros sejam retornados à apenas seca planta e filtro, os problemas sociais que levaram as pessoas mais vulneráveis aos cigarros devem, mesmo assim, serem placados e severamente reduzidos pois, se estas instabilidades sociais se mantiverem e as pessoas não poderem recorrer ao tabaco, poderão recorrer a outras substâncias, mais agressivas e problemáticas.
Os desempregados e os com níveis mais baixos de educação devem ser oferecidos programas de apoio para se reintegrarem com a força laboral. Estes programas não devem apenas ser de educação profissional, mas também de apoios psicológicos e sociais. Grupos de apoio a longo prazo onde círculos de amizades são criados e usados para estabelecer as redes de segurança emocional necessárias a estas pessoas. Deve-se notar que construir amizades na idade adulta é mais difícil, apesar de serem importantes para o bem estar emocional das pessoas. A precariedade no trabalho também tem que ser eliminada, precariedade essa que cada vez é mais prevalente com os recibos verdes e empregos sem contratos. Desta maneira, alguma estabilidade económica e emocional pode ser restabelecida neste grupo, que tanto precisa dela.
De similar forma, os mais jovens também precisam destas redes de segurança, embora de maneiras diferentes. O mundo é caótico, especialmente hoje em dia para alguém a formar-se nele e os jovens de hoje precisam de uma educação mais crítica e avançada para que não repitam os erros de gerações passadas. Ocasionais palestras sobre tabaco não chegam. Atacar o problema diretamente não resulta. Ao invés, programas desportivos, teátricos, artísticos ou científicos devem ser criados para estimular a movimentação física e/ou mental dos mais jovens, para evitar que a letargia e outros distúrbios mentais comuns nesta idade os levem para o tabaco. Estes programas devem ser integrados e estimulados nas escolas e universidades, os locais onde muitos começam a fumar.
E quanto às pessoas com distúrbios mentais, uma maior abertura tem que existir entre nós para mais facilmente podermos falar sobre as nossas preocupações. Ao lado desta abertura emocional deve estar uma maior educação da população sobre problemas mentais e como lidar com eles. Se esta concordância não ocorrer, corre-se o risco de ou fechar ainda mais os doentes mentais sobre si mesmos ou então levá-los a fortalecer as suas erradas convicções e vícios.
No final de contas, mais forte integração social e desenvolvimento da inteligência racional e emocional são imperativos. Seja qual for o grupo de pessoas: divorciados, doentes, desempregados, menos educados, etc.
E estas sim, são duas medidas genuinamente preventivas e não remediadoras. Claro que umas são mais fáceis de implementar que outras, mas, está mais do que estudado que investimentos na educação e saúde de uma população são os mais inteligentes e duradouros a fazer. São os que mais retornos dão no futuro. Investimos dinheiro hoje para não o queimarmos amanhã, melhoramos a nossa qualidade de vida, pagamos menos impostos e temos melhores e mais libertos cuidados de saúde.
Um último benefício desta redução no consumo de tabaco vai ser para o ambiente. As beatas são a fonte de lixo mais comum no mundo e são na maior parte das vezes deitadas para o chão sem consideração. Não só podem criar fogos florestais como podem poluir os mares ou outras vias aquáticas. O embelezamento de uma cidade ao remover este problema seria, também, benéfico a todos.
Assumindo uma população saudável, o nosso Serviço Nacional de Saúde pode ser muitíssimo mais eficiente. Mas não é. Mas, como tudo neste mundo, não podemos lidar exclusivamente com um problema apenas. Temos que considerar as suas ramificações e para o resolver, lidar com os problemas societais que o geram. Nunca nenhum problema existe isolado e desligado do ambiente que o rodeia.