Antes do iPhone ser lançado, todo o mercado estava imensamente fraturado, com nenhuma continuidade, onde cada lançamento era singular, sem nenhuma sequela. Havia imensos telemóveis, todos aparentemente diferentes mas apenas alguns genuinamente distintos. Diferentes apenas porque mudavam o aspeto exterior, mas no interior o software e as funções eram iguais (lembrem-se das páginas das revistas que comparavam telemóveis e tinham os mesmos valores para quase todos os telemóveis de diferentes marcas). Cada telemóvel funcionava sozinho e não havia ecossistemas de aplicações. Havia sistemas operativos partilhados, sim, mas não unidos (no máximo eram as últimas folhas das revistas com os códigos para imagens e aplicações que os unia).
No entanto, no meio do caos conseguia haver uma grande variedade útil. Havia teclados diferentes, alfanuméricos e completos, cores além do preto e branco, acessórios e capas removíveis e designs e materiais mais resistentes a quedas do que vidros frágeis. Havia telemóveis que queriam ser computadores ou apenas leitores de música. Havia telemóveis de abrir e fechar com vários mecanismos diferentes. Os Blackberrys eram para os trabalhadores, os PDAs para os entusiastas e os com teclados alfanuméricos para as pessoas restantes.
Havia vários telemóveis diferentes para várias pessoas diferentes.
Isto era bom porque podias encontrar algo específico a ti. Tendo em conta as limitações da tecnologia da altura, havia vários telemóveis genuinamente distintos e diferenciados. Sim, tinham imensas falhas e muitos eram instáveis e imaturos, mas ao menos eram desenhados com um uso em mente. Não eram todos indistintos blocos pretos para indistintos usos que acabam por servir ninguém correta e plenamente.
Mas era mau porque era fraturante e muitas vezes apenas superficial e falsa. Era uma variedade caótica sem nenhuma regra ou união. Como uma adolescência. Telemóveis “novos” eram lançados cuja a única diferença era o aspeto exterior e um jogo novo. Havia mesmo muitos telemóveis quase exatamente iguais uns aos outros.
Depois do iPhone, a paisagem mudou, mas ficou igual.
No meio do caos, ninguém sabia quem era
Variedade caótica não é sustentável e para haver estabilidade, é necessário haver alguma união e semelhança com o que nos rodeia, algumas regras. As marcas da altura não tinham nada disso. Todas disparavam em todas as direções, sem um fio condutor. Nada as diferenciava drasticamente e faziam todas mais ou menos a mesma coisa. Sim, havia vários telemóveis diferentes com objetivos diferentes, mas, em geral, a paisagem de todas as marcas era indistinta. O mercado estava desgovernado e caótico, sem claridade.
Ora, quando isso acontece por todo o mercado, essa indistinta indiferenciação gera uma estabilidade precária: como nenhuma marca tem uma identidade forte, nenhuma canibaliza a outra e ninguém causa ondas. São todas derivações do mesmo, tons de cinzento.
Esta falta de identidade tem um enorme problema: quando existe o mínimo de desregulação no mercado, todas as marcas sentem os mesmos impactos da mesma maneira. Como a estabilidade destas empresas era frágil, quando nova competição surge, elas acabam por disparar descontroladamente em todas as direções à espera de encontrarem alguma âncora que as salve pois a precária estabilidade que as segurava foi rapidamente desfeita.
E foi neste estagnado mercado que o iPhone encontrou o seu lugar. Pegou em tudo que havia de melhor e cortou com tudo que era desnecessário, criando um telemóvel imensamente refrescante numa era onde a tecnologia de consumo parecia cada vez mais caótica e redundante. O iPhone simplesmente funcionava.
Tinha uma câmara pior que a competição mas tinha continuidade no sistema operativo. Não tinha multitarefas mas tinha uma linguagem de design coesa. Não tinha tantas funções como a competição mas tinha uma simplicidade que era fácil de usar: um botão. Era funcional. Tinha uma linha condutora compreensível. Enquanto que todos os outros telemóveis e marcas eram fraturados e nada contínuos, confusos, o iPhone, com todas as suas falhas e omissões, conseguiu criar uma identidade que era menor em quantidade mas maior em qualidade. E isso foi o fator diferenciador: menos, mas melhor. E foi a partir dessa diferenciação que o iPhone foi crescendo até destabilizar todos os segmentos do mercado.
Rapidamente as marcas estabelecidas começaram a dispensar o iPhone como algo destinado a falhar, o mesmo que “fazer chichi nas calças para aquecer durante o inverno”. Várias empresas já veteranas tiveram reações destas, de desconsideração agressiva que representava uma enorme insegurança perante esta nova grande ameaça (que se provou correta).
Ora, como a Nokia, Motorola ou Samsung não tinham grande distinção, foi muito fácil, com apenas um telemóvel, o iPhone, os destronar a todos ao mesmo tempo pois, como todos se comportam da mesma maneira, caem todos da mesma maneira. Toda uma indústria sem identidade aninha com apenas um novo distinto jogador.
Como não sabiam quem eram, não souberam evoluir para competir
Outra péssima consequência desta desorientação foi o que aconteceu a seguir: perante a nova competição do iPhone, as marcas estabelecidas não souberam reconhecer aquilo que as tornava diferentes e valiosas e, consequentemente, falharam na sua resposta. Considerem as imensas falhas que o iPhone tinha quando foi lançado: má câmara, sem 3G, sem loja de aplicações, sem multitarefas, sem imensas funções que outros telemóveis consideravam básicas. E agora considerem a única característica que o distinguia: simplesmente funcionava.
O iPhone trouxe apenas uma vantagem, uma muito simples e importante vantagem, mas como as restantes empresas estavam tão moribundas, letárgicas e paradas, não a conseguiram identificar, muito menos reconhecer o que tinham de melhor para poderem competir. Ora, posto isto, o que aconteceu foi muito simples (e triste): aquilo que tornava as diferentes marcas competitivas foi considerado como algo descartável na busca cega por copiar o iPhone.
Na altura, algo como um modo multitarefa era considerado como apenas mais uma função. Como os telemóveis não eram imensos e complexos, os nossos usos deles eram mais simples. O conceito de um telemóvel como algo produtivo e polivalente ainda não estava muito bem definido. No entanto, com os telemóveis mais complexos de hoje, rapidamente se verificou que um bom modo multitarefas era essencial e, aquilo que antes descartámos era afinal algo imensamente útil. Boas câmaras são outro exemplo, onde antes havia Nokias com sensores maiores que qualquer um nos telemóveis de hoje, com lentes mais claras e profundidades de cores que demoraram anos a serem replicadas pelas restantes marcas. Mesmo hoje, com várias câmaras num só telemóvel, as imagens têm um aspeto menos profundo, mais digital, pois simplesmente não têm sensores grandes o suficiente para absorver mais luz.
Havia imensas tecnologias diferenciadoras na altura que foram desvalorizadas mas que hoje, olhando para trás, eram pioneiras. Por esta razão, foi extremamente desapontante ver grandes marcas da altura largarem tudo o que tinham e decidirem cegamente tentar copiar o iPhone à pressa. Marcas que quando lançavam telemóveis diziam coisas como “também tem ecrã tátil, sem botões”, para indicar semelhanças ao iPhone. Tudo o que havia de bom foi descartado em torno da singular busca de tentar desesperadamente emular o sucesso do iPhone.
Copiaram o ecrã tátil mas não a linguagem de design, copiaram o ecrã grande mas não a interface de utilizador, copiaram toda a superfície mas esqueceram-se da coesão e união.
Agora, tudo igual, nada diferente (ou modificável)
E no que resultou aquela desenfreada corrida à cópia do iPhone? Naquilo que vemos hoje, onde todos os telemóveis de todas as marcas têm todos as mesmas tecnologias com o mesmo aspeto e o mesmo design, seguindo sempre as mesmas tendências, onde a única diferença que existe é o preço e a quantidade de lucros que a marca extrai. Tudo foi copiado, bem ou mal, com ou sem sentido. Até as falhas.
Um indistinto mar de nada. Um retorno ao que era antes, essencialmente.
O iPhone começou a usar alumínio e todos os outros passaram a usar alumínio (apesar da HTC e a Nokia já terem usado o material antes). No entanto, esqueceram-se todos (incluindo o iPhone) de desenhar o telemóvel de maneira a que uma queda não resulte na total destruição do ecrã. Ao usarem materiais frágeis e expostos sem uma única barreira de proteção, todas as marcas passaram a copiar uma das piores características do iPhone sem o mínimo de juízo para a corrigir. Como resultado, temos agora todos os telemóveis, baratos ou caros, com o mesmo erro básico de design: forma acima de função. A frase recorrente da escola “podes copiar mas muda alguma coisa para a professora não perceber” parece não fazer sentido a quem desenha telemóveis.
Seria de esperar que, com o enorme mercado que existe de acessórios e capas, resultante dos tão frágeis designs de hoje, que pelo menos alguma marca fizesse um telemóvel com capas removíveis (como antigamente), para tentar capturar algum desse mercado, mas não. Todas continuam a insistir nos mesmos telemóveis fechados e frágeis, difíceis de reparar que forçam uma compra mais prematura (porque se isso gera lucros para a Apple, também vai gerar para “nós”).
À semelhança do alumínio, já vários telemóveis tinham usado biometrias antes do iPhone. No entanto, foi com o lançamento do TouchID do iPhone que todos começaram a implementar esses leitores em todos os seus telemóveis. De um ponto de vista ideal, biometrias seriam usadas para substituir palavras passes e melhorar a segurança do telemóvel mas, na realidade, elas são usadas apenas como um acessório para desbloquear o ecrã. As palavras passes e PINs continuam a existir e a serem fáceis de explorar. As marcas que implementam estes sensores, fazem-no apenas superficialmente pelo sistema operativo, como um acessório e não como uma parte integral da segurança do telemóvel (exceto a Apple). Na realidade, a maior parte do esforço competitivo por parte das marcas é em cortar custos para colocar estes sensores em telemóveis mais baratos, por mais inúteis ou desnecessários que sejam, tudo para dizerem que também têm um. Perdem mais tempo a editar desnecessariamente o grafismo dos sistemas operativos do que a melhorar a segurança dos mesmos.
O iPhone foi lançado com uma interface de utilizador diminuta, com apenas uma grelha de ícones e todos começaram a copiar isso, esquecendo-se de todo o resto que tornou o iPhone em algo fácil de usar. Tinha uma linguagem coesa por todo o SO, era intuitiva e o seu uso e todas as suas partes seguiam a mesma linguagem de design. Cegamente, com olhos apenas para a superfície, todas as restantes marcas decidiram criar telemóveis com menos botões e uma grelha de ícones, mas esqueceram-se da cola que unia todos os elementos do sistema operativo (SO). As máscaras de Android usadas eram lentas e cheias de opções e quebras na utilização. A “competição” limitou-se a pintar por cima do que já existia, sem mudar nada na estrutura subjacente.
E a mais sacana cópia de todas: a remoção da porta 3.5mm. Provavelmente das mais hostis decisões de design dos tempos modernos, a remoção da porta 3.5mm foi dos maiores “vai-te foder” para os consumidores. No entanto, com apenas rumores que a Apple a ia remover, a competição, particularmente a chinesa, já estava a regurgitar telemóveis sem essa porta, querendo ser os primeiros com essa “inovação”. Nenhum consumidor queria isto, mas numa desmesurada corrida de cães raivosos a um osso, a “competição” toda se apressou a remover aquilo que funcionava e substituir por algo que mal dava. “Coragem”.
Existem ainda mais exemplos além destes: a Apple lançou telemóveis a custarem 1000€, a competição fez o mesmo (com um sorriso na cara). A Apple lançou um telemóvel com um corte no ecrã, toda a gente fez o mesmo, por mais absolutamente inútil que isso seja. Sim, o Essential já tinha sido lançado anteriormente com um corte no ecrã, mas foi quando a Apple o fez que todos o copiaram, descaradamente.
Ou seja, todos os telemóveis querem ter a mesma tecnologia com o mesmo aspeto, necessária ou desnecessária, com ou sem razão, com ou sem significado, para não destoarem da “competição”. Como resultado, todos cometem os mesmos erros e todos fazem as mesmas asneiras e todos vendem o exato mesmo produto.
Isto não é competição, isto é uma corrida desenfreada até ao fundo do barril para ver quem consegue meter o máximo de tecnologias pelo preço mais baixo num único telemóvel.
A pior cópia foi a mais calada e invisível
No entanto, no meio de toda esta cópia de tecnologia, aquela que provavelmente foi a pior foi a dos ciclos de lançamentos anuais.
Até ao iPhone, os telemóveis eram lançados um de cada vez, sem continuidade. Não havia um calendário fixo, não havia sequelas, nada. Saiam quando saiam. Mas com a popularização dos lançamentos anuais pelo iPhone, onde a cada ano é lançada uma versão ligeiramente melhorada, todas as restantes marcas fizeram o mesmo. Porquê? Porque se o iPhone faz isto e gera atenção e vendas, então vamos fazer o mesmo.
Esta tendência alimentou e forçou todas as más decisões de design aqui escritas: como um ano não é suficiente para fazer melhorias significativas, as marcas são forçadas a inventar novas “características” e “funções” para justificar lançar um telemóvel “novo” todos os anos quando o velho ainda é perfeitamente apto. Tudo o que vemos de “novo”, ano após ano, se pensarmos por um mísero segundo, vemos que é tudo uma mera minúscula mudança de fachada e que o conteúdo se mantém.
Tecnologias são “inventadas” e aquilo que não precisa ser mudado é “melhorado” porque as marcas precisam de fabricar uma razão para justificar vender um telemóvel novo todos os anos quando na realidade nada de significativo mudou. Essas “invenções” são tão fracas e inúteis que são rapidamente descartadas para o lixo assim que não gerem vendas suficientes e são substituídas por outras igualmente vazias no ano seguinte. Isto não é inovação ou competição, mas sim apenas lixo tangente.
E quando olhamos para trás e vemos todos os telemóveis lançados ano após ano, podemos ver que vários anos podiam ter decorrido sem um único lançamento de nenhum telemóvel de nenhuma marca e mesmo assim não se perderia nada pois nada de significativo foi melhorado nesse tempo. Apenas lixo eletrónico derivativo foi criado.
Telemóveis antigos deixam de ser suportados para vender os mais recentes e nunca nenhum telemóvel é vendido com longevidade em mente. Como nenhum telemóvel é desenhado para ser reparado e como as marcas se focam mais em implementar novas tretas inúteis ano após ano, os erros que sempre amaldiçoam os telemóveis não são reparados e persistem. Isto faz com que os consumidores sejam ludibriados com novas e brilhantes funções ano após ano que são completamente inúteis e sempre que haja o mínimo de um problema, é incentivada a compra nova em vez de reparar o velho.
Fode-se o ambiente com o aumento de lixo eletrónico não reciclável, fode-se a tua carteira porque compras novo em vez de reparar velho e fode-se o sentido crítico de toda uma população porque toda a gente segue o que estas empresas dizem sem o mínimo de consideração. Já estamos como o cão de Pavlov.
De tudo o que o iPhone popularizou e foi copiado, os lançamentos anuais são provavelmente o pior e mais tóxico. A invenção de soluções para problemas que não existem. A invenção de lixo para vender mais lixo.
Ainda existe diferenciação, mas pouca
E agora, para a maior das ironias: as marcas que mais competem e se diferenciam são a Microsoft e a Blackberry. Sim, os dois dinossauros são aqueles que hoje vendem (ou vendiam, no caso do Windows Phone) os telemóveis mais diferenciados. Existem outras marcas que também têm produtos distintos, sim, mas estas duas são as que mais se destacam pela ironia.
Consideremos o exemplo da Blackberry (antiga RIM): competia pelo mercado de empresários, de pessoas que queriam trabalhar com o telemóvel. Não queria fazer um telemóvel indistinto para todos brincarem, queria fazer algo que servia as necessidades dos seus clientes. Entre o seu auge e hoje houve uma enorme queda causada pelo iPhone e Android. Sim, a empresa esteve para morrer mas hoje existe com as mesmas características que antes a distinguia mas com novas capacidades (Android) para conseguir competir.
O seu teclado físico foi melhorado com uma segunda interface tátil (para funcionalidades extra) e tem um leitor de impressões digitais na tecla de espaço. Ao ter um teclado físico completo, apela aqueles que não gostam de teclados alfanuméricos ou táteis. Independentemente de tu estares confortável com um teclado tátil, muitos outros podem não estar, e um teclado físico num Blackberry é suficiente para justificar a compra. Ao terem encriptação e segurança alta por todo o telemóvel, também atraem pessoas preocupadas com a sua privacidade, mas que não são empresárias. Pelo resto do sistema operativo Android, várias mudanças foram feitas em torno de aumentar a produtividade. Isto sim é competição e diferenciação onde pegam no mesmo objetivo mas executam-no de maneira diferente, conseguindo criar valor que não existe noutras marcas.
Quanto à Microsoft, ela competiu (porque entretanto já saiu do mercado de privados) ao criar um intermédio entre o fechar (excessivo) do iPhone e o abrir (excessivo) do Android. O seu SO podia ser usado por quem quisesse mas era controlado apenas pela Microsoft. Evitavam assim o caos fragmentado do Android e o controlo exclusivo da Apple. O design do Windows Phone era completamente diferente dos restantes, muito mais simples e com um foco na velocidade, onde se podia fazer o máximo de tarefas com o mínimo de esforço. O seu design gráfico foi refrescante, com um maior uso de temas escuros que minimizavam o consumo energético. O seu uso de partilha de informação entre aplicações era bastante útil que permitia fluir o mesmo trabalho entre várias aplicações numa era onde os restantes SOs requeriam sair de uma aplicação e abrir outra para continuar a trabalhar. Um progresso muito mais quebrado. E o facto de ser um SO tão rápido em telemóveis fracos como nos mais potentes era algo que não existia (ou existe) em mais lado nenhum. O mais barato Lumia funcionava tão depressa como o mais caro. A estratégia era válida e cheia de vantagens competitivas embora a entrada tardia na corrida e os constantes reinícios ao SO (3 versões, 7, 8 e 10) levaram à sua ruína (entre muitos, muitos outros erros). De qualquer das maneiras, competiram com algo novo e diferente, não se limitaram a copiar o iPhone ou o Android.
Existem outras marcas que competem de maneiras diferentes. Por exemplo, a Xiaomi compete ao vender telemóveis com características de topo a preços de gama média. Outras marcas chinesas fazem o mesmo só que esta “competição” tem um problema: não é sustentável. Ao usarem margens de lucro muito baixas, não podem iterar e desenvolver tecnologias próprias e dependem de outras marcas maiores para abrirem caminho para que depois possam também o percorrer. Não só, mas aqueles pequenos detalhes de otimização de hardware, aquelas pequenas mudanças que fazem grandes diferenças a longo prazo não são tão facilmente implementadas, devido às pequenas margens de manobra e aos lançamentos anuais. A competição pelos preços baixos acaba por ditar a inevitável cópia das restantes marcas pois não existem margens para explorar.
Fairphone é outra marca que compete pela sustentabilidade. Cria telemóveis fáceis de reparar que são construídos de maneiras que minimizam o impacto ambiental e laboral e são desenhados com maiores princípios de ética e moral em mente. Esta distinção, tendo em conta o atual deplorável estado de exploração laboral e ambiental por toda a linha de produção de telemóveis, é extremamente importante e necessária em mais marcas. São, no entanto, uma empresa ainda pequena pois poucas pessoas valorizam essa sustentabilidade.
A Samsung, num canto do seu enorme e caótico portefólio, tem alguma competição original e diferenciada: a gama Note. Criaram um novo segmento de mercado, de telemóveis grandes com maior capacidade para produtividade e criatividade (através de alterações ao SO e da caneta), e foram tão bem-sucedidos que eles próprios geraram as suas cópias. Sim, existem imensas falhas como por exemplo o facto de serem telemóveis topo de gama com os mesmos erros básicos de design (frágeis) e apesar de terem os melhores processadores, só conseguem ser atualizados uma vez. São telemóveis imensamente falíveis e em todo o resto iguais à competição mas ao menos têm a sua pequena distinção, o que é louvável de uma empresa como a Samsung que copiava tudo.
E, de certa forma, a Nokia (HMD) também ainda compete. É certo que nem toda a gente precisa de um telemóvel inteligente com um ecrã enorme capaz de executar pesados cálculos de inteligências artificiais. Muitas pessoas podem viver apenas com um tradicional tijolo com um teclado alfanumérico. Aliás, muitas pessoas que hoje têm smartphones não precisam deles e estariam melhor servidas com um telemóvel básico. E é aqui que entra a competição da Nokia: eles ainda fazem dos melhores telemóveis tradicionais no mercado, resultantes da sua experiência passada. E, desta forma, competem pelo mercado ao venderem produtos mais simples mas mesmo assim bastante funcionais a pessoas que não precisam de smartphones.
Sim, a Microsoft deixou morrer o que tinha de bom e inovador, a Blackberry é mais usada em anedotas do que em mãos e a Nokia atual é um mero fantasma do que era antes (enfim, o cemitério de boas ideias e más execuções é grande), mas pelo menos são marcas que fazem algo diferente e um tanto competitivo.
De resto, todos copiam-se uns aos outros sem uma única pausa para pensarem. Todos querem enfiar o máximo de tecnologias num telemóvel cada vez mais fino e frágil, tentando preencher a brochura com o máximo de clichés tecnológicos vazios que ninguém precisa mas que todos querem. Considerem os telemóveis da Apple, Samsung, Huawei, LG, Sony ou Xiaomi. Em quase todos os aspetos eles são iguais. Têm essencialmente as mesmas tecnologias que fazem as mesmas coisas com o mesmo objetivo. Lá porque um tenha um número maior que outro não quer dizer que seja melhor ou diferente. No fundo, todas estas marcas querem fazer o mesmo telemóvel para tentar capturar o mesmo mercado que não precisa dele.
A singular busca por lucros, em conjunto com a ignorância das marcas e o medo de criar ondas, ditou que apenas a Apple marcasse caminho (no início), com todas as outras marcas a persegui-la pois mais ninguém queria correr riscos. Todos têm medo de criar uma identidade e limitam-se a copiar.
Essencialmente, quase todo o mercado está hoje como estava antes: estagnado e letárgico, sem competição ou diferenciação, pronto para ser desregulado de novo.
O Android deveria nos ter dado variedade, mas acabou por nos dar mais do mesmo
E, ironicamente, foi o Android que mais contribuiu para esta cópia toda. O sistema operativo de código aberto, em vez de ser usado para aumentar a diversidade de oferta, foi usado para rapidamente copiar todos os pequenos detalhes uns dos outros.
No início do Android, a HTC ainda modificou o seu código beneficamente, com várias funções não disponíveis na competição. O Android ainda era muito complicado e as alterações que a HTC fazia em muito melhoravam a experiência com uma interface de utilizador simplificada e extras que não existiam em mais nenhum telemóvel. No entanto, devido à maleabilidade do Android e à facilidade em copiar mudanças superficiais, outras marcas e a própria Google acabaram por copiar estas alterações. Como a HTC não tinha mais nenhuma grande diferenciação, as suas vendas acabaram por baixar drasticamente.
E pelas mesmas razões que a HTC eventualmente se perdeu, o restante mercado se homogeneizou: a maleabilidade do Android foi usada não para criar maior diversidade mas para que todos tentassem copiar o iPhone à sua maneira. E como desenvolver hardware é caro e demora muito tempo, o Android acabou por acelerar a homogeneização de todos os telemóveis. Todos usam os mesmos processadores, os mesmos materiais, os mesmos designs, os mesmos ecrãs vindos das mesmas fábricas para minimizar riscos e maximizar lucros. Por um lado, isso é perfeitamente aceitável: telemóveis são computadores miniaturizados e como tal têm todos o mesmo esquema eletrónico.
Por outro, ninguém otimiza nada para nenhum uso específico. Explicando: mesmo que telemóveis diferentes usem as mesmas peças, essas peças podem ser configuradas e ligadas de maneiras diferentes para obter resultados diferentes. O processador pode ser ligado à memória com mais canais para assegurar uma maior velocidade. Intermediários podem ser cortados para evitar conflitos. Código no SO pode ser modificado para se melhor adaptar a uma peça (aquilo que a Apple faz, uma integração vertical mais robusta de código e silício).
E isso requer tempo e conhecimento, algo que não existe num ciclo de lançamentos anuais. Todos acabam por usar os valores e especificações base. E como a cada ano é lançada uma nova versão de cada componente, as marcas não têm tempo de se familiarizarem e acabam por fazer os mínimos para por tudo a funcionar. Apenas os gigantes têm esse tipo de recursos e capacidades. O que acabam por fazer é sobrecarregar ainda mais o já complexo e lento código Android com ainda mais código desnecessário como máscaras inúteis e animações pesadas. É mais fácil inventar lixo visível do que melhorar performance invisível às brochuras.
E o Android não é aqui usado como exemplo de competição por causa disso mesmo. Porque apesar do Android competir com o iOS de uma maneira fundamental, sendo a alternativa aberta ao fechar do iPhone, no final de contas, todas as marcas que usam o Android fazem-no de uma maneira pouco diferenciada, acabando todos por tentar copiar o iPhone. Todas usam o SO da mesma maneira, todas nunca o atualizam, todas não o otimizam e todas usam exatamente os mesmos princípios de interação básicos, mudando apenas o aspeto superficial. O muito variável e diverso Android acaba por ser o mesmo em todo o lado, onde a fragmentação é a única constante.
Várias soluções e vários exemplos
O iPhone foi um bom passo, mas a sua constante cópia foi má. Ao tentar copiar o iPhone, a competição ficou sempre um passo atrás e ignorou as milhares de outras inovações que podia ter implementado para melhor se distinguir. O iPhone tinha imensas vantagens, mas também tinha imensas falhas. Elas podiam ter sido aproveitadas mas como todos ficaram cegos com a atenção que o iPhone recebeu, decidiram simplesmente copiar em vez de compreender. Como resultado, perdeu-se imensa diversidade.
Temos um mar de vidros quebrados, todos únicos e todos iguais. Voltamos a ter uma indústria estagnada, pronta para uma nova desregulação e competição fresca.
Mas, para provar que essa competição e diversidade ainda é possível neste mercado estagnado, consideremos o exemplo da Nintendo. A Xbox e a Playstation comandam hoje a maior parte do mercado e são as duas quase iguais uma à outra. São a Apple e a Samsung das consolas, diferentes mas iguais. A Nintendo, por outro lado, fez as coisas à sua maneira e lançou consolas distintas da competição, inovadoras: a Wii e a Switch.
Mas nem sempre foi assim. Em tempos, era a Nintendo que tinha as consolas tradicionais mais potentes (a SNES e a Nintendo 64). Entretanto, com o lançamento da Playstation e da Xbox, a Nintendo perdeu a sua coroa. A empresa simplesmente não tinha capacidade para competir com o poderio e mestria de hardware da Sony e de software da Microsoft.
E, em vez de continuar a fazer o mesmo que a competição, apenas para inevitavelmente perder, lançando mais uma consola pluripotente e indistinta, decidiram mudar e fazer algo único: a Wii, uma consola com uma interface nova e refrescante (movimento), não presente em mais lado nenhum. Com essa muito fraca e simples consola com tecnologia já na altura antiga, a Nintendo conseguiu entrar em muitas mais casas do que a competição e, não só, entrar em casas que nunca teriam tido uma consola de jogos tradicional. Enquanto que a competição tinha jogos como o Gears of War e o God of War, a Nintendo tinha o Super Mario. Eles não tiverem medo de ser diferentes (e, mais importante, melhores), e foram bastante recompensados por isso. Tudo porque decidiram dar um passo atrás, repensar o que queriam e escolher aquilo que melhor se traduzia em diversão.
A Nintendo mudou drasticamente a sua oferta, sempre com um foco na qualidade e diversão e não na quantidade superficial.
A Wii foi vendida mais rápida do que era feita. Ela é única e pertence hoje à história. Não parando, continuando com a sua diferenciação, a Nintendo lançou a Wii U, um falhanço por várias razões. A visão que a Nintendo imaginou não foi corretamente executada. Mas, em vez de cancelarem tudo e copiarem a competição, decidiram reduzir o salário aos executivos e continuar a trabalhar em experiências únicas que os distinguia. Pararam para pensar. Lançaram agora a Switch, uma consola que se constrói em cima das suas antecessoras e está a caminho de ser mais um ícone, provando que alguma dificuldade não impossibilita a criação de algo único num já estabelecido mar de indistinção.
O mesmo pode acontecer aos telemóveis. Acabando com visões a curto prazo, com lançamentos anuais e preocupações apenas com lucros, as marcas podem voltar a uma maior sustentabilidade e criar bons telemóveis para pessoas usarem no dia a dia e não objeto frágeis que ninguém consegue usar em pleno.
Existem imensas pequenas e grandes alterações que as marcas podem fazer a curto, médio e longo prazo que iriam ser extremamente benéficas: portas 3.5mm com bons amplificadores e conversores digital-para-analógico assim como leitores de música capazes de corretamente lerem ficheiros descomprimidos, algo que genuinamente melhora a qualidade de som ao invés de remover a porta 3.5mm e passar exclusivamente para modos sem-fios; sensores fotográficos maiores com verdadeiros flashes que podem tirar fotos mais honestas à realidade sem precisarem de tanto pós-processamento digital ou de usarem 4 ou 5 câmaras iguais mas ligeiramente modificadas; mudanças fundamentais à interface do sistema operativo para agressivamente reduzir a sua complexidade para que utilizadores mais velhos e menos experienciados possam tirar proveito de algumas funcionalidades e aplicações importantes sem serem distraídos pela restante entropia do sistema; temas pretos, algo tão simples e tão útil que reduz o consumo energético, não cansando tanto os olhos mas que foi imensamente ignorado, preferindo as marcas usarem cores garridas e brancos brilhantes; ecrãs que em vez de usarem resoluções altíssimas que ninguém aproveita, usam filtros polarizadores que nos permitem os ver sob direta luz solar.
E, como última diferenciação, estas marcas com lucros milionários podiam deixar de usar trabalho escravo e explorado para construir os seus produtos (para os preços serem acessíveis e os lucros altos é preciso cortar em algum lado, nomeadamente, nos direitos dos trabalhadores).
É, portanto, um bocado irónico que hoje, após toda aquela grande desregulação do iPhone, ninguém tenha aprendido nada e que tenhamos voltado ao mesmo lugar e caído nos mesmos hábitos de cópia e indistinção. Até a Apple copia outros. Quase ninguém se destaca.
No final de contas, o consumidor é o maior problema
Por um lado, é normal haver estagnação e dificuldade em apreciar aquilo que damos como certo. Foi preciso o iPhone cortar com tudo e voltar ao básico para podermos apreciar aquilo que perdemos: modos multitarefas, designs resistentes, boas câmaras, etc.
Por outro, uma enorme dose de críticas severas e pesadas deve ser endereçada aos executivos das empresas da altura (e de hoje) que falharam redondamente em compreender o porquê de terem caído para uma empresa que poucos anos antes estava às portas da falência. A Nokia, anos antes do iPhone ter sido anunciado, tinha protótipos similares nos seus laboratórios mas decidiram os cancelar por medo de perderem lucros. Quando finalmente reagiram com o Nokia N9, um telemóvel que ainda hoje consegue ser competitivo e relevante pelo seu muito bom design, já foi tarde demais e deixaram esse projeto morrer. A Nokia desapareceu do mapa porque teve medo. A estupidez e a complacência têm preços altos.
Uma grande parte da culpa destas empresas terem caído é apenas sua, por sua má gestão e por não reconhecerem o que têm de valor. Ficaram grandes e gordas, lentas e letárgicas, preocupando-se mais com lucros e estabilidade, tornaram-se vulneráveis. Elefantes tombados por ratos.
Mas, estando tudo isto dito, existe um outro enorme problema: a nossa letargia e ignorância enquanto consumidores.
Se as marcas fazem bons e robustos telemóveis mas as pessoas compram porcaria rasca, não existe nenhum incentivo para melhorar nada. A nossa sociedade tem tendência a homogeneizar e a eliminar diferenças, não as aceitando muito bem. Sempre que há uma moda, entramos todos no mesmo barco. Queremos tudo ao mesmo tempo sem precisarmos de nada. Temos medo de nos destacar, de tomar decisões e escolhemos antes a opção mais genérica, que em todo lado cabe mas em nenhum acerta, em vez de escolhermos a melhor para nós. É mais fácil vivermos no meio termo, onde nunca enfrentamos nada, do que tomarmos posições mais claras, que implicam um maior esforço pela nossa parte. Somos todos diferentes mas escolhemos todos a mesma coisa.
Se nós não conseguimos ter o mais básico e minúsculo pensamento crítico, como podemos esperar melhor de outros? Queixamo-nos sempre dos telemóveis que duram pouco e se desatualizam rápido mas se for preciso nem atualizamos o que já temos. Compramos barato e tratamos mal os telemóveis e quando inevitavelmente se partem, nem os reparamos, simplesmente compramos outro igualmente rasca e barato. Se o vidro parte facilmente, seria de esperar que o próximo telemóvel que compremos tenha um design mais resistente a quedas mas não. Agora compramos telemóveis com vidros curvos, para se partirem ainda mais facilmente. Todos os telemóveis são desenhados para funcionarem bem por apenas 2 anos, a garantia mínima forçada pelos governos europeus. Depois disso, acabando a garantia, entra o modo de obsolescência planeada e todos os consumidores vão cegamente comprar um telemóvel novo, igualmente mau, igualmente desenhado para falhar.
Puta que pariu, nós somos burros e fáceis de explorar!
Onde está o incentivo para as marcas criarem telemóveis bons e duradouros, se nem os consumidores valorizam o seu próprio dinheiro o suficiente para fazerem escolhas mais inteligentes? Custe o telemóvel 200 ou 1000€, eles sofrem todos dos mesmos problemas e mesmo assim as pessoas continuam a os comprar, ano após ano. Se ninguém vai reparar nada, porque devem as marcas desenhar telemóveis fáceis de reparar? Se toda a gente se deixa ir pela ansiedade de comprar o telemóvel com as peças e características mais recentes, porque irá uma marca lançar um telemóvel com peças antigas mas mais bem trabalhadas (à semelhança do que a Nintendo Wii fez)? Qual vai ser a marca que vai gastar dinheiro em desenvolvimento num telemóvel bem feito e duradouro para aqueles dois consumidores com cabeça para pensar, que sabem distinguir entre o que precisam do que querem?
Se escolhemos tudo com base na superfície, não podemos esperar grande substância. Se apenas sabemos comprar lixo, as marcas apenas nos vendem lixo. Sim, precisamos de mais e melhor competição, mas nós também temos que ser algo mais do que o mísero mínimo.
Este artigo já vai longo e, se repararem, toca nos mesmos pontos que vários outros artigos nesta publicação já mencionaram. Existem certas estruturas e princípios básicos que são imperativos e, mesmo assim, por mais básicos que sejam, pode-se falar e escrever interminavelmente sobre eles, especialmente nos dias de hoje, onde os detalhes superficiais são mais valorizados em detrimento do básico essencial. Não importa o quão bonito, brilhante e recente seja a superfície se o que a suporta é podre. Não sejam burros, não sejam cegos, não se deixem levar por descaradas mentiras ilusórias. Sejam melhores e lutem por algo mais. Considerem a ambição e a mudança como a vossa constante.