A Apple era conhecida pelo seu design, onde tudo era pensado ao mais pequeno detalhe e não haviam redundâncias ou confusões. Todas as interações eram planeadas para cumprir o mais pequeno caminho, com o mínimo de esforço e tempo. Não existiam complicações e tudo “simplesmente funcionava”. Era esse o lema. Mas essa linha de pensamento já há muito tempo que deixou de existir e agora, em seu lugar, está um mar de adjetivos completamente desligados da realidade.
Na Apple existe agora um erróneo comportamento de amontoar opções de interação ao sistema operativo sem nunca as integrar com as existentes, ou sequer remover antigas. E isso é simples mau design: acumular funções. Mas os problemas não acabam aqui: existe um singular foco na forma do software ou hardware, com um completo descuido da função. Resultado: todo um conjunto muito bonito e agradável de se ver, mas horrível de usar. Considerem apenas o facto de quase todos os iPhones que vêm terem uma capa, pois sem uma, não durariam mais do que alguns meses. São bonitos, mas frágeis.
O iOS não foge a esta queda na qualidade de design: um gesto para a central de controlo, outro para notificações, dois para widgets, e para aceder à mesma pesquisa existem dois gestos distintos de dois locais distintos. E isto tudo no mesmo ecrã inicial. Vejamos então as novas funções/complicações da versão 11 do sistema operativo móvel.
![Ecrã inicial, autocolantes, cupões da Starbucks e transferências de dinheiro.](https://i0.wp.com/libratum.pt/wp-content/uploads/2017/06/Design-Apple1.jpg?resize=1170%2C309)
iMessage (e, para sermos honestos, todas as outras aplicações de mensagens)
Uma atual moda é a inclusão do máximo de opções possíveis nas aplicações de mensagens. O iMessage não é exceção e tem agora mais aplicações, mais efeitos de ecrã, mais emojis e mais autocolantes, tudo para rivalizar os concorrentes. A simples experiência de enviar rápidas mensagens de texto está agora complementada por mil e uma opções que nunca (ou raramente) serão utilizadas. Mas por si só, isto não representa mau design. A principal crítica, aqui, é endereçada à estrutura base do sistema operativo que não permite uma maior maleabilidade de comunicações entre aplicações. A Apple podia implementar um conjunto de APIs que permitam aos programadores colocar as suas aplicações a comunicarem umas com as outras de maneira a que não fosse necessário ter que implementar uma aplicação dentro de outra. Ao invés temos um jardim fechado onde cada aplicação vive sozinha e as interações com o exterior restringem-se ao pequeno menu de partilha, por si só já limitado.
![Apenas notificações recentes, por defeito. Ação necessária para as restantes.](https://i1.wp.com/www.libratum.pt/wp-content/uploads/2017/06/Design-Apple2.jpg?resize=940%2C618&ssl=1)
As (demasiadas) interações do ecrã inicial
Primeiro, uma breve descrição dos gestos disponíveis no ecrã inicial:
- Sobre o ecrã, deslizando para baixo, surge o ecrã de pesquisa;
- Sobre o ecrã, deslizando para a esquerda, surge novamente o mesmo ecrã de pesquisa mais os widgets (duas interações para o mesmo fim);
- Deslizando do fundo do ecrã para cima, obtém-se o centro de controlo;
- Deslizando do topo do ecrã para baixo, surgem as notificações;
- Dentro das notificações, deslizando para a esquerda, surgem os widgets (e a pesquisa).
Em qualquer outro sistema operativo móvel, estes 5 gestos reduzem-se a 1 ou 2: os widgets estão já no ecrã inicial por isso não requerem ação, as notificações e o centro de controlo estão num só sítio por isso requerem apenas um gesto e para pesquisar, dependendo do sistema operativo escolhido, pode já estar no ecrã, como os widgets ou então num botão ou gesto dedicado. E o ponto a reter é esse mesmo: já não existe integração e uniformização no iOS, há muito tempo. A simplicidade do “simplesmente funciona” morre assim que o utilizador interaja com o primeiro ecrã.
Mas os problemas do ecrã inicial não se restringem aos gestos. O novo ecrã de notificações foi, sem ninguém pedir, também fragmentado. Agora, para ver todas as notificações é necessário deslizar do topo do ecrã e carregar num botão para ver todas as notificações. Por defeito, o sistema operativo só mostra as mais recentes. Porquê? Aparentemente simplifica o processo.
![Novo centro de controlo e opções de conectividade extra.](https://i2.wp.com/www.libratum.pt/wp-content/uploads/2017/06/Design-Apple3.jpg?resize=777%2C502&ssl=1)
O indiferenciado, confuso 3D Touch
Com a nova versão do iOS, o toque 3D (pressão) continua tão confuso e indistinto como anteriormente. Voltando novamente ao ecrã inicial, existem 4 diferentes tipos de toque para um só ícone: toque (abre), toque médio (abre submenu), toque médio longo (arrasta ícone) e toque longo (entra no modo de reorganizar o ecrã inicial). Reiterando, a simplicidade e facilidade de uso já não fazem parte da equação.
On the iOS 11 home screen:
Short tap = open
Medium tap = popover menu
Medium hold = begin drag
Long hold = enter rearrange mode— Fraser Speirs (@fraserspeirs) June 7, 2017
Por definição, o toque por pressão já é uma má adição. Como este gesto não faz parte da linguagem comum de dispositivos móveis, não é algo que facilmente se integre na mentalidade dos utilizadores. Pressão está normalmente associada à deformação de um objeto, mas neste caso é usada num rígido ecrã de vidro onde a deformação não é visível. Mas existe outro problema: a irregular utilização do toque de pressão pelo sistema operativo. Quando vemos uma lista, em qualquer que seja a aplicação ou jogo, deslocando com o dedo, essa lista responde ao movimento. No entanto, no que toca ao toque normal ou de pressão, não existe nenhuma distinção ou regra para qual é usado quando. Não há nenhuma mensagem pelo sistema operativo que indique onde se usa pressão, normal ou os dois. É uma questão de tentativa e erro.
Exemplo: o novo centro de controlo. Em áreas como os botões de conectividade, luminosidade ou som pode-se usar o toque de pressão para abrir mais opções. Mas é um gesto de pressão que pode perfeitamente ser substituído por um normal longo toque e em nada mudaria a interação.
Vista multitarefa e arrastar-e-largar
Os dois focos de atenção no iPad, durante a WWDC foram sobre a vista multitarefas e a função arrastar e largar. O redesenhado modo multitarefas tem agora uma segunda opção para ver janelas em simultâneo. Podem-se ver duas janelas consecutivamente, uma ao lado da outra, com as duas fixas ao ecrã ou pode-se colocar uma nova janela suspensa, não ancorada ao ecrã. Mas, à semelhança da indistinção do toque longo do toque de pressão, não é clara a necessidade de existir uma vista suspensa. Tanto a vista ancorada como a suspensa fica de um dos lados do ecrã e podem ambas ser dispensadas com um só gesto. A função apresentada pela janela é a mesma, quer ela esteja ancorada ou não. Coloca-se a questão: qual é então a diferença entre uma opção e a outra, a não ser a mera diferença visual?
Arrastar e largar é uma positiva adição, em geral, com algumas estranhas interações. Nomeadamente o novo modo de seleção de múltiplos itens, demonstrado no palco (110m:35s) onde se está com um dedo sempre sobre o ecrã enquanto outro seleciona mais itens parece um tanto quanto convoluto. Ecoando anteriores críticas: em nada este modo melhora a interação com o tablet em relação ao atual modo de simplesmente selecionar um item de cada vez. Não só é mais fácil selecionar vários itens com o antigo seletor, um a um, como não existe a pressão de ter que estar sempre com o dedo no ecrã a segurar ficheiros, correndo o risco de o levantar sem querer e anular o processo.
Foi apresentado mais um novo gesto que também peca pela redundância: com um toque longo sobre a doca acede-se a um submenu de ficheiros recentes que podem ser arrastados e largados numa apresentação. Tendo em conta que o número de toques e interações é o mesmo para abrir este submenu e para abrir uma nova janela em modo multitarefa, porque então existem os dois? O submenu aberto da doca é muito mais limitado do que a janela aberta em multitarefas. E todos envolvem um misto de toques longos e de pressão que não são facilmente compreendidos e distinguidos. Porque existem então as duas opções? Num portátil, estas opções extra podem fazer sentido mas num tablet não.
Ah! E o novo teclado? Bom, tem a nova função de poder usar um gesto de arrastar sobre a tecla para selecionar rapidamente os caracteres extra de cada uma. No entanto, estando esses caracteres na parte de cima da tecla, o gesto que se faz é para os seleccionar é para baixo. Ou seja, na direção invertida.
![Arrastando o dedo para baixo obtém-se o ícone de cima, seleção invertida.](https://i1.wp.com/www.libratum.pt/wp-content/uploads/2017/06/Design-Apple6.jpg?resize=1170%2C656&ssl=1)
Acima de tudo, mal desenhado, mas bonito
O design da Apple agora é apenas bonito, mas pessimamente funcional. Tudo tem um aspeto agradável com uma fluidez satisfatória mas uma muito questionável funcionalidade. Os novos portáteis com uma tira tátil em cima do teclado? Curiosos, mas ultimamente inúteis pois teria sido muitíssimo mais prático tornar todo o ecrã táctil. Remover a porta 3.5mm do telemóvel? Fica com um aspeto mais uniforme mas no final de contas todos os utilizadores perdem ao terem que usar conversores para usarem auscultadores com fio. Conversores esses que impedem de carregar o telemóvel e ouvir música ao mesmo tempo. A menos que se compre outro acessório. Acessório esse que para ser oficialmente suportado tem que ser certificado pela Apple, o que faz com que a Apple receba uma pequena quota das vendas desse acessório.
Ainda existe, claro, o rato que é carregado pelo seu lado de baixo, o que faz com que ele não possa ser usado durante o carregamento, o lápis que também tem que ser carregado apenas via a porta Lightning ou talvez a capa com uma bateria extra que não pode ser ligada ou desligada e não tem LEDs indicadores de carga.
Muitas das funções apresentadas na WWDC foram simples cópias do Android ou mesmo do Windows. Basta apenas esperar que eles copiem também o bom design da competição.